Luxleaks: informadores arriscam 10 anos de prisão
Começou ontem, no Luxemburgo, o julgamento dos três franceses responsáveis pela divulgação do escândalo que ficou conhecido como Luxleaks.
O caso remonta a maio de 2012, quando o jornalista Edouard Perrin, numa reportagem na estação televisiva France2, tornou públicos os documentos mais relevantes que lhe tinham sido facultados por Antoine Deltour, ex-funcionário da auditora PricewaterhouseCoopers (PwC). A informação mostrava a forma como várias multinacionais tinham obtido benefícios fiscais no Luxemburgo, evitando o fisco nos seus países de origem.
Jean-Claude Juncker, à época, foi mesmo obrigado a justificar-se no Parlamento Europeu. Quando o escândalo rebentou, o atual presidente da Comissão Europeia ocupava, desde 1995, o cargo de primeiro-ministro do Luxemburgo.
O terceiro a sentar-se no banco dos réus é Raphaël Halet, outro ex-funcionário da PwC, acusado de uma segunda fuga de informação.
Deltour e Halet respondem pelos crimes de roubo, violação de sigilo profissional e comercial, branqueamento de capitais e acesso fraudulento à base de dados da empresa. Perrin é acusado de cumplicidade. Os três homens arriscam penas que podem ir até 10 anos de prisão e multas superiores a um milhão de euros.
A primeira sessão do julgamento, que deverá estar concluído a 4 de maio, decorreu ontem, com a audição de Anita Bouvy, auditora da PwC, que revelou a forma como Deltour teve acesso aos documentos. À chegada ao tribunal, o francês de 30 anos foi recebido por cerca de 50 manifestantes que lhe lançaram gritos de "obrigado".
Vozes de apoio
A acusação que as autoridades do Luxemburgo decidiram levar adiante contra os três franceses tem recebido críticas vindas de vários quadrantes. Uma das vozes que se levantou contra o julgamento é a de Gerard Ryle, diretor do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação - a união de repórteres que deu seguimento ao caso Luxleaks e que mais recentemente trouxe a público os Papéis do Panamá. "Um dos países fundadores da União Europeia acusar um jornalista por revelar informações de interesse público é uma afronta à liberdade de imprensa", afirmou Ryle.
A solidariedade para com Deltour chega também das esferas políticas. "Graças a ele foi possível levantar o véu que impedia os países europeus de saberem exatamente o que se passava na relação entre as autoridades luxemburguesas e um determinado número de grandes empresas", afirmou ontem Michel Sapin, ministro francês das Finanças, que pediu à embaixada francesa no Luxemburgo que prestasse todo o apoio possível a Deltour.
Ainda em janeiro, quando começava a aproximar-se o julgamento, também a comissária europeia para a Concorrência numa entrevista à plataforma EurActiv, manifestou o seu apoio aos três franceses. "As revelações mudaram o debate sobre a fiscalidade na Europa. Todos devíamos agradecer aos informadores e aos jornalistas de investigação que divulgaram o caso", afirmava Margrethe Vestager, que faz parte da equipa de Jean-Claude Juncker.
O caso Luxleaks começou em 2010, quando Antoine Deltour pediu a demissão das suas funções na PwC. Escandalizado com as práticas fiscais que foi descobrindo, antes de bater com a porta decidiu copiar os documentos que mais tarde viria a entregar a Edouard Perrin.
A documentação mostrava a forma como 340 multinacionais clientes da PwC - entre elas a Pepsi e a sueca Ikea - tinham conseguido benefícios fiscais junto das autoridades luxemburguesas.
O caso levou a que a Comissão Europeia, em junho de 2015, pusesse em marcha um plano de ação para tentar harmonizar os 28 sistemas europeus de impostos.
Interesse público
Deltour, a quem o Parlamento Europeu atribuiu no ano passado um prémio de Cidadania, lamenta a situação em que se vê envolvido, mas garante que agiu em consciência e que não está arrependido. "Enfrentar a Justiça é um pesadelo, mas a minha ansiedade é contrabalançada pela certeza de que agi em nome do bem comum", disse o ex-funcionário da PwC numa entrevista à agência Reuters concedida nas vésperas do início do julgamento.
William Bourdon, advogado de Deltour, e várias organizações não governamentais têm chamado a atenção para a necessidade de legislação que proteja os informadores quando o interesse público está em jogo. Na sua edição de ontem, o Le Monde recordava outros casos em que as fontes de informação viram as suas vidas afetadas. Um dos exemplos é o de Nicolas Forissier, que em 2007 revelou informações sobre o banco suíço UBS. Nove anos volvidos continua o braço de ferro. "Todo o meu salário vai para os advogados. São cerca de sete mil euros por trimestre", lamenta Forissier.