Luta popular tem muitas formas e vai a votação no Parlamento
Os portugueses estão contra a hipótese de privatização do sector da água e saneamento? As sondagens dizem que sim. E as iniciativas de luta popular comprovam-no, seja através de iniciativas legislativas, como a que irá a votos, no início de 2014, na Assembleia da República, ou da organização de movimentos cívicos locais, como os que lutam contra as concessões a privados em Paços de Ferreira e Marco de Canaveses.
Pelo "direito fundamental à água e ao saneamento" uniram-se mais de 44 mil portugueses. Sob a forma de iniciativa legislativa de cidadãos (que precisava de, pelo menos, 35 mil assinaturas), levaram à Assembleia da República um projeto de lei contra a privatização da água e saneamento. O documento - com baixas hipóteses de aprovação - aguarda pelo agendamento da sua discussão e votação, que deverão acontecer no início de 2014.
O objetivo do projeto de lei n.º 368/XII é claro: "Impedir a privatização de água e saneamento, vedando a iniciativa privada nestes serviços, que apenas devem ser geridos por entidades sem fins lucrativos", descreve Jorge Fael, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), uma das dez organizações da Plataforma "Água é de todos" - a promotora da iniciativa legislativa. O documento já foi discutido na comissão parlamentar do Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local. E aguarda agora o agendamento do debate e da votação final, que deverão acontecer "provavelmente no início do próximo ano", esclarece Jorge Fael.
No entanto, as hipóteses de aprovação do projeto de lei - que propõe a suspensão e reversão dos contratos de concessão e parcerias público-privadas no prazo até um ano após a sua entrada em vigor - são bastante reduzidas (até porque nesta legislatura a maioria parlamentar já chumbou iniciativas idênticas de PCP e BE). "Sabemos que vencer no Parlamento é muito complicado, mas também usamos iniciativas destas para sensibilizar a população", explica o dirigente sindical.
A população parece estar sensibilizada e ter uma opinião clara. Nas sondagens mais recentes sobre o assunto - uma de 2009, da Marktest, para o STAL, e outra de 2011, da Eurosondagem, para Expresso, SIC e RR - cerca de 70% dos portugueses mostravam-se a favor da água pública (e contra o cenário de privatização da Águas de Portugal).
E o brutal aumento de preço em algumas concessões - como em Marco de Canaveses e Paços de Ferreira - também levou ao surgimento de movimentos cívicos empenhados em lutar contra a situação. No caso marcoense, a comissão de luta manifestou-se nas ruas e na justiça, chegando a "levar a tribunal uma ação para suspender o contrato de concessão e realizar um novo concurso" (ação que ainda não teve decisão), explica Hernâni Pinto, um dos membros do movimento. E, na Capital do Móvel, o Movimento 6 de Novembro (M6N) também dinamizou vários protestos, além de prestar apoio jurídico a munícipes que levaram a concessionária a tribunal. "Até aqui, ganhámos todos esses processos", revela a presidente do movimento, Madalena Martins.
Ambos os coletivos populares, junto com os de outras cidades, como Barcelos, já uniram esforços numa deslocação conjunta, para se manifestarem em Lisboa. E a hipótese de evoluir para o movimento nacional "chegou a ser cogitada", admite Margarida Martins. Mas não avançou - até porque o M6N tem as ações de protesto "congeladas", por depositar "toda a confiança" no novo presidente da câmara pacense, Humberto Brito, que era dirigente. Agora, a luta popular segue nos gabinetes... e na Assembleia da República.