Luta contra racismo separa-se das migrações e ganha entidade própria
O Alto Comissariado para as Migrações chega ao fim com a criação da Agência Portuguesa para as Minorias, Migrações e Asilo. Ao mesmo tempo, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial torna-se independente . O anúncio foi feito em Conselho de Ministros e as estruturas envolvidas desconhecem como será feita a transição. As organizações antirracistas e representantes das comunidades aplaudem a autonomização da Comissão, mas reclamam para serem ouvidos.
"Ao integrar competências que transitam do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), a Agência Portuguesa para as Minorias, Migrações e Asilo (APMMA) inicia uma mudança de paradigma na gestão das migrações e asilo em Portugal. Enquanto país de acolhimento, a APMMA passa a garantir que a proteção internacional - asilo e proteção subsidiária -, proteção temporária, integração e acolhimento ficam a ser geridas apenas por uma entidade", diz o comunicado do Conselho de Ministros (CM) de 6 de abril. A Agência sucede, ainda, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com as funções policiais a migrarem para outras estruturas do Estado.
O CM aprovou a proposta de lei para a autonomização da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) que ira submeter aos deputados, documento que se desconhece.
Destaquedestaque408 queixas em 2021 por discriminação racial
Sónia Pereira é a Alta-Comissária para as Migrações desde março de 2020. O mandato é de três anos e terminou, mas pode ser renovado. Ao DN, o seu gabinete afirmou desconhecer a forma como será feita a transição do ACM para a APMMA. Esta terá da tutela da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes.
O que Alta-Comissária sabe é que não continuará a presidir à Comissão para a CICDR, que se tornará uma entidade administrativa independente, "dotada de poderes de autoridade" e que funcionará junto da Assembleia da República.
Há muito que as associações antirracistas e de imigrantes defendem a autonomização da estrutura, com o reforço de poderes e uma ação mais interventiva.
"A Comissão nunca foi independente, aliás, não reúne há muito tempo", critica José Falcão, dirigente do SOS Racismo. Saúda que deixe de depender do ACM, mas entende que essa transformação devia ser discutida com os dirigentes associativos. "Temos propostas sobre essa matéria que gostaríamos de ver contempladas, nomeadamente que a discriminação seja efetivamente crime. Uma comissão independente tem de ser definida pelas associações".
É o que também defende Bruno Gonçalves, dirigente da Letras Nómadas. E que motivou que à última hora fosse acrescentado a palavra "minorias" ao nome da nova agência. "A comunidade cigana está em Portugal há mais de cinco séculos, somos portugueses. Não faz sentido estarmos nas migrações. E sofremos de racismo todos os dias".
Os cidadãos negros costumam estar no topo dos comportamentos racistas denunciados à Comissão, seguidos da etnia cigana. Nos últimos dois anos, os brasileiros passaram a ocupar esse lugar.
Destaquedestaque26,1 % dos ataques visavam a comunidade brasileira
A presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Cyntia de Paula, espera que a separação da CICDR signifique o alargamento de competências e das ações. "A luta antirracista está para além do ACM, sobretudo pelas questões da discriminação racial vividas pelos portugueses, como os negros e os membros da comunidade cigana. Essa separação é fundamental para não cruzar apenas com a imigração. A nacionalidade é motivo de discriminação, mas é importante este alargamento.", justifica.
Os dirigentes associativos pedem, também, alterações ao Código Penal no sentido de alargar o âmbito do crime de discriminação racial. O artigo 240º delimita-o aos discursos de ódio, à criação de organizações que tenham esse propósito e à divulgação pública de tais discursos. Na prática, as queixas têm resultado em poucas punições e, quando acontecem, significam uma pequena coima, denunciam.
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