Lula já aquece motores para candidatura em 2018

Antigo presidente anunciou intenção em dois comícios. E prepara-se para unificar um Partido dos Trabalhadores em grave crise.
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"Preparem-se porque se for necessário eu serei candidato à presidência", disse Lula da Silva, vestido de boné e camisa encarnados, em comício organizado pelo Movimento dos Sem Terra, em Salvador, para euforia dos militantes do PT que o ouviam. Dias depois, em evento semelhante em Brasília, repetiu as palavras de ordem. Já não há dúvidas: o presidente do Brasil entre 2003 e 2010 aquece os motores para apresentar a candidatura em junho, durante o 6.º Congresso Nacional do seu, por enquanto, muito desunido partido. O principal obstáculo é o juiz Sérgio Moro, que mantém Lula como réu na Operação Lava-Jato.

"Nós voltaremos a governar este país", disse o antigo sindicalista, regressado à condição oficiosa de "líder da oposição", que desempenhou antes de chegar ao Palácio do Planalto no início do século. E a receita de Lula é exatamente oposta à do governo liderado por Michel Temer, do PMDB, que vem defendendo um plano de austeridade. Segundo o petista, "o único jeito de esse país voltar a crescer é com o Estado a investir, a melhor forma de diminuir a dívida com proporção do PIB é fazer o PIB crescer".

Se a militância do partido recebeu com entusiasmo as propostas de Lula, a imprensa criticou-as. "Quer fazer os brasileiros acreditarem que para resolver os problemas que hoje enfrentam basta que ele reassuma o governo para fazer exatamente tudo igual ao que fez antes; como se o Brasil de hoje fosse o mesmo de há 13 anos, antes de ser iludido e depois destruído pelo PT", escreveu o conservador O Estado de S. Paulo, em editorial. O colunista Bernardo Mello Franco, do Folha de S. Paulo, alertou para outra questão: "Sem uma autocrítica séria, é difícil que o PT volte a ter hipóteses reais numa disputa presidencial, não há sombra disso quando o pré-candidato reaparece em público num ato com a presença de Delúbio Soares, condenado no mensalão."

A necessidade dessa autocrítica vai ser defendida por setores do PT, força ainda a sofrer os efeitos da ressaca da Operação Lava-Jato, do impeachment de Dilma Rousseff e da derrota histórica nas municipais de outubro, no congresso que pode confirmar Lula. Na tese "Luta contra a Corrupção" será proposto um tribunal de honra onde José Dirceu e Antonio Palocci, antigos braços-direitos de Lula hoje presos no âmbito da Operação Lava-Jato, seriam julgados internamente. Segundo Valter Pomar, um dos subscritores da tese, "o PT aburguesou-se e ignorou os sinais de riqueza exterior exibidos por alguns militantes anestesiados". Noutra tese, um dirigente petista critica a "Carta ao Povo Brasileiro", documento redigido pela cúpula do partido - Lula, Dirceu, Palocci, entre outros - nas vésperas da eleição de 2003 que o levaria ao poder. Nela, os petistas colocavam o "socialismo na gaveta" e piscavam o olho aos grandes empresários.

Guinada à esquerda

Há quem radicalize ainda mais o discurso, como Breno Altmann, que pretende limitar as propriedades rurais e proibir a banca privada, além de mexer em causas em que o PT sempre foi prudente, como a descriminalização do aborto e a desmilitarização da polícia.

Neste quadro de guinada à esquerda, Lula sente que só com a sua presença no lugar mais alto da direção poderá unir o partido - para tal, pretende contar com figuras de peso, como o ex-ministro da Casa Civil Jaques Wagner, o senador Lindbergh Farias e o ex-autarca Luís Marinho nas vice-presidências.

Mas o principal obstáculo à estratégia de Lula, que lidera todos os cenários propostos nas sondagens para 2018, não é político. É jurídico: o antigo presidente está a ser investigado em cinco ações sobre corrupção, três delas ligadas à Operação Lava-Jato. E Sérgio Moro, o juiz que coordena a operação, já provou que não se coíbe de estragar os planos do antigo sindicalista, como quando em março do ano passado divulgou escutas telefónicas de uma conversa entre Lula e Dilma - o célebre telefonema do "tchau querida" - que abortaram a sua tomada de posse como ministro da Casa Civil.

Por isso, nos palanques de Salvador e de Brasília, Lula dedicou palavras ao juiz de Curitiba. "Se o Moro se quiser candidatar, ótimo, todo o mundo tem direito, vá para a rua pedir voto, o que não pode é querer ser presidente dando golpe". Falta ver, porém, qual o futuro do juiz federal, uma vez que, depois da morte de Teori Zavascki, na quinta-feira, na queda do avião em que seguia, muitos começaram a sugerir nas redes sociais que Moro fosse para o seu lugar. Teori era juiz relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal do Brasil.

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