Lula e a língua portuguesa

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O regresso de Lula da Silva ao Palácio do Planalto é uma boa notícia também para a língua portuguesa. É reconhecido o seu contributo, nos anteriores mandatos, para a internacionalização do português, idioma que fez ouvir em todos os fóruns internacionais, confirmando o seu uso enquanto língua de muitos milhões de falantes, desde logo de um país-continente como o Brasil. Quanto mais falada, mais traduzida, mais editada, mais utilizada na comunicação social, mais presente no espaço dos organismos internacionais, mais faz o caminho para o seu reconhecimento como língua que atravessa países e continentes.

Existem ainda outras razões para a nova presidência contribuir para o crescimento da língua portuguesa, por exemplo, através de políticas educativas que melhorem os índices de escolaridade e diminuam o abandono e as desigualdades em todos os níveis de ensino e, também, através de políticas culturais que prossigam um caminho em que o Brasil foi pioneiro, assumindo a cultura como fator de desenvolvimento e crescimento económico. Todos os domínios e, antes do mais, a diminuição da pobreza e a erradicação da fome constituem-se como políticas de língua, porque alteram a representação generalizada do português associado à pobreza. Quanto mais os nossos países crescerem, mostrarem capacidade para se desenvolverem e consolidarem valores democráticos, mais o português conseguirá afirmar-se.

Temos, pois, uma excelente oportunidade para trabalhar de forma conjunta aproveitando os instrumentos de que dispomos, desde logo através do reforço do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), dando a conhecer o que faz e o que se propõe fazer, num ano em que toma posse uma nova direção executiva que conhece bem a casa. O IILP é um extraordinário modelo de gestão pluricêntrica do português que merece e deve ser apoiado pelo que representa de reconhecimento das línguas enquanto corpos vivos que se transformam no tempo e no espaço.

Carlos Alberto Faraco, destacado linguista brasileiro que tem coordenado a Comissão Nacional do Brasil junto do IILP, publicou em 2016 uma extraordinária História sociopolítica da língua portuguesa, obra que nos deveria servir de permanente reflexão sobre mitos e realidades, tendo em conta que, como refere na Apresentação, "as línguas não existem em si e por si; elas não são entidades autônomas - as línguas são elas e seus falantes; elas e as sociedades que as falam". Observando como a variedade linguística românica que emergiu do latim falado no noroeste da Península Ibérica se expandiu até sul e, depois, deixou as fronteiras europeias, avançando para a Ásia, a África e a América, analisa as condições de uma língua internacional e, em particular, a relação entre Brasil e Portugal. No capítulo "A lusofonia", termo complexo e ambíguo que trata criticamente percorrendo autores de diferentes espaços de língua oficial portuguesa, não deixa de identificar ações convergentes que poderiam beneficiar a internacionalização, servindo-se até de políticas de promoção do espanhol em termos de coordenação e gestão partilhada, e destacando que a nossa língua dispõe de uma vantagem acrescida pela existência do IILP enquanto reconhecimento da diversidade linguística dentro do português.

Brasil e Portugal são os países que dispõem atualmente de estruturas de promoção e difusão da língua portuguesa e importa que reforcem a cooperação. Mais importante, porém, é desfazermo-nos dos preconceitos em relação às diferentes variantes e, em particular ao Brasil como identificadas por Carlos Alberto Faraco e, de forma mais acutilante, por Fernando Venâncio, nomeadamente no seu recente livro O português à descoberta do brasileiro (2022), em que traça um retrato impiedoso das consequências de uma visão imobilista da língua, transposta na "gramática, isto é, a estrutura íntima do idioma, que se manteve praticamente inviolada em Portugal".

Num momento em que temos reconhecido os nossos erros de um passado colonial, é altura de também reconhecer, de facto, que a língua é de todos e, mais do que uma propriedade, é um espaço de partilha, vivo e em crescendo.

Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos

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