Lula, Bolsonaro e Barbalho

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Ao noticiário internacional, as eleições do Brasil chegam concentradas, num contexto de radicalização e ódio, em dois nomes, Lula da Silva, firme e hirto no primeiro lugar das sondagens, e Jair Bolsonaro, a brochar preocupantemente nelas.

Mas, para quem as vive por dentro, elas são um bocadinho maiores do que essa disputa: no dia 2 de outubro, um eleitorado de 156 454 011 brasileiros vai eleger não só um presidente da República, mas também 27 governadores, 27 senadores, 513 deputados federais, 1035 deputados estaduais e 24 deputados distritais, num total de 28 274 candidatos para 1607 vagas.

E para se entender como funcionam as intrincadas teias da política à brasileira, além do duelo do Planalto, um bom exemplo é Helder Barbalho, candidato à reeleição no governo do Pará, no norte do país.

Barbalho reúne todas as condições para ser considerado um político tradicional do Brasil: pertence a uma casta regional (é filho de um ex-governador e neto de um ex-deputado); é dono (ou herdeiro) de um império de media no estado, que protege a família; tem o currículo manchado de suspeitas de corrupção, desde abuso de poder económico, a improbidade administrativa, passando pelo inevitável financiamento ilegal de campanha no âmbito do Lava-Jato; e só não mudou de partido uma mão-cheia de vezes, como a maioria dos seus pares (Bolsonaro, por exemplo, vai no nono), porque pertence ao MDB, formação que é, desde logo, um caldo onde cabem conservadores, liberais, esquerdistas, direitistas e quem mais se interessar.

Nestas eleições, Barbalho, que cometeu a proeza de ser ministro da Pesca e da Agricultura de Dilma Rousseff e depois ministro da Integração Nacional do arqui-inimigo dela, Michel Temer, lidera uma coligação para o governo do Pará de nada menos do que 16 partidos, incluindo claro, o seu, cuja candidata presidencial é Simone Tebet, a quarta na corrida ao Planalto, segundo as sondagens.

Mas entre os partidos que apoiam Barbalho no Pará está também, por exemplo, o PT, de Lula. E o PDT, de Ciro Gomes, o terceiro nas pesquisas. E o União Brasil, de Soraya Thronicke, a quinta mais citada nas intenções de voto. E o PP e os Republicanos, dois dos pilares da candidatura de Bolsonaro.

Ou seja, se Lula ganhar a presidência, Barbalho ganha junto. Mas se Bolsonaro ganhar, Barbalho também ganha junto. E se o novo presidente for Ciro, Tebet ou Soraya, Barbalho continua ganhando junto.

Num dos dias da primeira semana de setembro, por exemplo, Barbalho caminhou com Tebet por um mercado de rua e almoçou com ela e empresários, conforme noticiou o jornal Folha de S. Paulo. À noite, entretanto, visitou o hotel de Lula, a quem elogiou muito num encontro com artistas e produtores do setor cultural. Não foi ao comício do antigo presidente, é verdade, mas fez-se representar por Jader Barbalho Filho, líder do MDB no Pará e seu irmão mais velho.

Barbalho aguarda agora a presença em campanha de Ciro e Soraya no Pará para se passear de braço dado com eles. Entretanto, garantiu o apoio de Samuel Câmara, o presidente da evangélica Assembleia de Deus no estado, que vai pedindo aos fiéis o voto em Bolsonaro, para a presidência, e em Barbalho, para o governo paraense.

Eleições num contexto de radicalização? De ódio? No Pará, terra dos Barbalho, só há conciliação e amor para distribuir.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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