Lula-Alckmin. Aliança ideal ou geringonça à brasileira?
A notícia caiu como uma bomba nos corredores de Brasília: Lula da Silva e Geraldo Alckmin estudam candidatar-se a presidente e vice-presidente do Brasil em 2022 na mesma lista. Adversários históricos - chegaram à segunda volta eleitoral um contra o outro em 2006 - e expoentes dos dois partidos, PT, de centro-esquerda, e PSDB, de centro-direita, que rivalizaram no poder por 20 anos, de 1994 a 2014, a aliança entre Lula e Alckmin seria considerada impossível até há pouco tempo. Mas provável agora, dada a ascensão da extrema-direita ao poder, através de Jair Bolsonaro, em 2018.
Os dois mantiveram-se prudentemente calados desde que a colunista Mônica Bergamo lançou a possibilidade nas páginas do jornal Folha de S. Paulo, no dia 3, mas atentos às reações. Que não se fizeram esperar. "É de uma solução com esse espírito que o país precisa para voltar ao caminho que queremos", escreveu no mesmo jornal o sociólogo Celso Rocha de Barros.
"Seria uma oportunidade de fazer o que [a ex-ministra e ex-candidata presidencial] Marina Silva chamou de "integração de legados", uma proposta de retomada do Brasil a partir do que deu certo desde a redemocratização nos diferentes governos. Não é só juntar o ajuste macroeconómico do PSDB com a redistribuição de renda do PT, seria questão de atualizar cada uma dessas propostas para o momento atual", defendeu o articulista.
Barros, no entanto, tem consciência da vulnerabilidade da ideia. "É fácil imaginar uma lista Lula-Alckmin entrando em curto-circuito porque as respetivas militâncias vão repetir os mesmos clichês cansados uns contra os outros, porque algum idiota como Sergio Moro vai entrar em cena dizendo: "Ó lá os políticos profissionais corruptos" (...) ou porque a elite brasileira gosta dessa degeneração pestífera que é o Brasil de Bolsonaro".
Silvio Osías, do Jornal da Paraíba, também viu méritos na solução. "Alckmin como vice tiraria parte do estigma (equivocado) de que Lula é um político radical. E, certamente, reduziria o sentimento que impediu tanta gente de votar no PT em 2018, optando por Bolsonaro ou pelo voto nulo". Além disso, "daria ao país a garantia de que teríamos a postos um político experiente e equilibrado no caso de um impedimento (não impeachment!) de Lula, que já se aproxima dos 80 anos e tem a saúde frágil".
Por sua vez, o colunista de direita Rodrigo Constantino disse, em opinião no YouTube, que achar a aliança "um ato plural e democrático" é, "simplesmente, patético". "Na narrativa da bolha esquerdista, esta aliança seria um grande ato plural e democrático de centro em prol do Brasil para impedir a terrível ameaça fascista que a reeleição de Bolsonaro representaria. É um discurso patético que na prática visa o retorno dos tempos pré-Bolsonaro, quando a esquerda podia brincar de poder só entre ela".
"Tucano [militante do PSDB], geralmente, é um petista [militante do PT] com perfume francês. É por isso que uma chapa Lula-Alckmin não espanta. Eu sou favorável a ela, no entanto, porque enterraria de vez o "teatro das tesouras"", continuou Constantino. O colunista referia-se à teoria de Olavo de Carvalho, guru da extrema-direita brasileira, de que PT e PSDB são, no fundo, faces de uma mesma moeda de esquerda que impede a direita de disputar o poder. Segundo ele, Lenin fez o mesmo na antiga União Soviética ao opor Trotsky a Stalin.
Mesmo em silêncio, Lula, líder das sondagens, com 48%, contra 21% de Bolsonaro, de acordo com estudo do instituto Genial/Quaest, de dia 10, fez saber que com Alckmin de vice poderia "dormir tranquilo" por causa da experiência deste. O próprio Alckmin sublinhou que "Lula é uma pessoa com apreço pela democracia" e que ficou "muito honrado com a lembrança". "Mas já disseram que vou ser candidato a senador, governador, vice... vamos ouvir".
Segundo o site Antagonista, Lula e Alckmin "já se falaram até por telefone, depois de falarem por terceiros nos jornais".
Luiz Marinho, presidente da secção de São Paulo do PT e um dos políticos mais próximos de Lula, defendeu ao Diário do Grande ABC que "o momento é de conversas, diálogo, construções de pontes". "Sabemos identificar quem são os nossos adversários para a retomada do Brasil da esperança mas tem muita água para correr sob a ponte das eleições. Aguardemos".
A união, a concretizar-se, ainda precisa de passos decisivos. Em primeiro lugar, Alckmin, que vai sair do PSDB, teria de optar pelo PSB, partido de centro-esquerda com quem o PT ensaia aliança, e não pelo PSD ou pelo recém-formado União Brasil, que lhe oferecem a possibilidade de concorrer mais uma vez ao cargo de governador de São Paulo.
"Alckmin não quer ser vice de Lula e de ninguém, quer governar o estado outra vez, e está de saída do PSDB para o União Brasil ou o PSD", escreveu o jornalista Ricardo Noblat, no jornal Metrópoles, colocando água na fervura da eventual aliança.
Os caminhos de Lula, 76 anos, e Alckmin, 68, cruzaram-se em 2006 quando o primeiro buscava a reeleição, pelo PT, e o segundo surgia como candidato do PSDB. Na ocasião, Lula bateu Alckmin na segunda volta por 60% a 40%.
dnot@dn.pt