Luís Freitas Lobo: Nunca quis ser nada. Sempre quis fazer coisas

Acreditava que podia fazer a diferença a falar de futebol quando mais ninguém acreditava. Só quer "paz interior com efeitos secundários". Gostava de fazer um filme e ser dirigente desportivo.
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Nem advogado nem jornalista nem nenhuma profissão que tivesse nome. "Nunca quis ser nada, sempre quis fazer coisas", diz Luís Freitas Lobo, 44 anos, um dos nomes mais populares e cobiçados no comentário de futebol. Desporto de que fala como ninguém, e entenda-se aqui o duplo sentido da expressão. Até começar a escrever nas páginas de O Jogo, em 1998, falava de "basculações entre linhas com recepção orientada". Quem o conhece e gosta de futebol diz que não há mesmo ninguém como ele.

"Quando o conheci, há uns seis anos, disse-lhe que ele era o melhor comentador de futebol. Ainda é o que penso", diz João Ricardo Pateiro, relatador de futebol da rádio TSF, um dos vários órgãos de comunicação social em que Freitas Lobo analisa futebol, e hoje um amigo. Também é, há cerca de um mês, comentador da Sport TV e escreve duas vezes por semana no jornal A Bola. Deixou, há três semanas, o Expresso ("Tínhamos ideias diferentes", diz, justificando a saída) após quatro anos de colaboração semanal. Acredita que "vivemos várias vidas dentro de uma vida" e agora está a viver esta: entre Lisboa e o Porto, a falar da sua paixão. O futebol. Como sempre quis.

Gostar de futebol está escrito nos genes de Luís Carlos Freitas Lobo. O avô materno jogou no Sp. Braga no princípio do século passado, o avô paterno foi um dos fundadores deste clube, aquele por que torce. Ninguém é adepto do Sp. Braga sem torcer também por "um dos grandes"? Ele insiste que sim. "Pode não acreditar, mas é verdade", assegura. "Cresci a ver o Sp. Braga com o meu pai. Sou sócio desde pequeno, os meus filhos desde que nasceram." Tem gémeos, um rapaz e uma rapariga, Miguel e Catarina, de 10 anos.

Mas a ligação de Freitas Lobo ao Minho é pouca. Com 1 ano muda-se com a família para o Porto, onde cresceu a ler A Bola e "grandes escritores como Vítor Santos, Carlos Pinhão, Carlos Miranda" (é assim que fala deles), a ver futebol e a escrever. "Aos 10, 12 anos fazia jornais", diz. Ainda tem essas relíquias guardadas. Já sabia que queria fazer a sua vida a contar histórias e sonhava escrever em jornais. E também ser futebolista, claro. Mas menos. "Cheguei a treinar nos juniores do Salgueiros, mas faltava-me espírito de sacrifício para treinos à noite e ter de apanhar o último autocarro e depois, se fosse ao treino, já não passava pela pastelaria e via aquela miúda", ri-se.

Muito mais sério foi o que se passou quando aos 18 anos teve de escolher um curso universitário. Só Letras era opção. História, Filosofia ou Direito? Escolheu a última. "Tinha de fugir à Matemática. Não tive uma positiva desde o ciclo. Ainda hoje tenho problemas a resolver os problemas dos meus filhos." O curso de Direito tirado na Universidade Portucalense durou sete anos. De início, passava de ano sem esforço, mas no quarto ano um Luís totalmente diferente veio à tona. "O que devia ter feito em um fiz em três anos.

Perguntava-me: é isto que vai ser a minha vida?", diz. Já sabia que não. "Sinceramente? Nem lá punha os pés. Sabia que se fosse conseguiria fazer e não queria." Acabou por concluí-lo e iniciar o estágio de advocacia. Que deixou. Que depois retomou, acabando por concluí-lo a contragosto. Foi advogado, mas nunca muito a sério. Estes são os anos negros. "Andei ao contrário na auto-estrada da vida profissional e emocional. Podia ter-me desfeito", conta, acrecentando: "Foram três anos complicados."

"É preciso que se diga: não tive o apoio de ninguém quando disse que não queria saber do Direito, preferia morrer", conta Luís Freitas Lobo. "Não estou a fazer de mim um herói, não quis atravessar o oceano a nado, mas não tive ninguém a dizer 'força'. Mas tenho uma grande capacidade de automotivação e sempre tive boa auto-estima."

Garante que nunca duvidou de que, tendo uma oportunidade, não a desperdiçaria. Levava os seus textos às várias publicações, ainda em disquete. Um dia, telefonaram-lhe para casa e pediram-lhe que passasse pelo jornal O Jogo, onde funcionava também a revista de desporto Mundial, para falar com Galvão Correia. "Gostaram do modo como eu falava de outras coisas a partir do futebol." As portas abriram-se. Tinha 28 anos. E tudo mudou. Atrás de um convite veio outro e mais outro. "A partir daí encontrei a saída da auto-estrada. Foi um caminho de cabras, mas quantos mais buracos melhor. O [jogador] Pelé dizia que a rua dele era a que tinha mais buracos. E ninguém cresce em auto-estradas, pode engordar, mas não cresce, e o País está cheio de gatos gordos que cresceram na auto-estrada", compara.

Quando já vivia da escrita - "Não podia comer bifes do lombo todos os dias, mas dava para me alimentar a mim e à minha cadela" - chegou um convite de A Bola, em 2000. "Era aquilo que eu queria." Quase se emociona quando lembra o dia em que entrou no edifício da Travessa da Queimada, em Lisboa. Já não estavam por lá grandes "monstros" que lia na infância, mas, conta, fez-se notar. "Um dos maiores incentivos que tive foram as cartas que me fizeram chegar do senhor Aurélio Márcio. Dizia que gostava do que eu escrevia e que A Bola precisava de mim."

E então surge a televisão, área em que nunca tinha pensado. "Queria era escrever em mais sítios". No início de Janeiro de 2004 recebeu um e-mail do jornalista da SIC Notícias Pedro Mourinho, com o convite para participar num programa. "Queríamos ter uma pessoa diferente, com conhecimentos técnicos, que soubesse de futebol europeu. Quem é que sabia o 11 titular da Grécia? Só ele! Conhecia as crónicas e o site dele [Planeta do Futebol]", diz o pivô, explicando por que se lembrou do comentador e falou dele ao então director da estação de notícias, Ricardo Costa.

Foi uma surpresa para Freitas Lobo: "Eu? Mas nem tenho grande dicção, nunca pensei nisso..." Achava que tinha de aceitar e desta vez com apoio. "É mesmo isso", disse-lhe a mulher, Sónia. Como sempre, queria marcar a diferença. "Ando aqui há tanto tempo a dizer que não há análise táctica, técnica, emocional até..." E lançou-se.

"É óbvio que tinha receio de que a imagem não correspondesse ao que a televisão precisa", reconhece Pedro Mourinho. As dúvidas dissiparam-se no almoço em que se conheceram pessoalmente nas Docas, em Lisboa. "Hoje, todos os comentadores falam em pressão alta, mas foi o Luís que lançou essa forma de falar", considera, completando, "a hard drive [disco rígido] dele está cheia de informação sobre futebol". Não é por acaso.

Lê os jornais desportivos de toda a Europa, comprados sempre no mesmo quiosque na Foz do Porto: Gazzeta dello Sport, Marca, Mundo do Deportivo, L'Equipe. João Ricardo Pateiro ficou impressionado quando o viu ir buscar a encomenda. Na casa onde vive, na freguesia de Mindelo (Vila do Conde), junto à praia, há uma parabólica que lhe traz canais de desporto de todo o mundo. "Mando vir cartões de todo o lado, Qatar, Espanha..." Os preferidos são os 14 disponibilizados pela Al-Jazeera. Mas é mito que tenha muitas televisões em casa. "Tenho é muitos gravadores de DVD", confessa. "Gosto de ver campeonatos africanos porque há talentos escondidos, onde o futebol é mais puro. O outro tesouro é um sótão cheio de cassetes, VHS e Beta (que anda a passar para DVD), com material "que nem a RTP tem", afirma Pateiro. "No outro dia, estivemos a ver alguns Domingo Desportivo dos anos 80 apresentado pelo Mário Zambujal."

"Leio muito, vejo muito, ouço", diz Freitas Lobo, que também passa muito tempo na Faculdade de Desporto do Porto, como o professor de futebol Vítor Frade, onde, por outro lado, o que escreve é dissecado. "Quando escrevo um artigo penso nele durante muito tempo. Ando sempre com papéis nos bolsos e vou anotando", revela.

Para lá do futebol, gosta de cinema e de ler (regressa amiúde a Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e a Câmara Clara, de Roland Barthes). E de música. "Ando sempre com o iPod atrás." Coldplay, Cranberries, Radiohead eTexas são algumas das bandas que ouve. E adora cães. Tem cinco. "Ele não pode ver um cão na rua, quer logo levá-lo para casa", diz João Ricardo Pateiro. Freitas Lobo confirma: "Duas são vira-latas, foram apanhadas na rua." Há um ano perdeu a cocker Carolina, que fazia parte da família. "Ando sempre com uma lembrança dela para todo o lado."

Volte-se atrás: depois da passagem pela SIC Notícias, em 2004, foi convidado a fazer parte da RTPN. O canal por cabo estava a abrir e queria dar muito destaque ao desporto. Mesmo à medida de Luís Freitas Lobo, que queria continuar a viver no Porto. "Pensei que, de facto, tinha de fazer diferente. Comecei a confrontar os treinadores de maneira especializada, com eles à minha frente, e fui ganhando o meu estatuto." E outros convites. Fez publicidade, dá a cara por uma casa de apostas actualmente (embora nunca aposte) e recebeu o convite para escrever no Público, mais tarde no Expresso. Da Antena 1 passou para a TSF. "Começaram a aparecer montes de coisas: conferências, congressos, sou a voz do jogo Pro Evolution Soccer há dois anos, o que é giro porque começo a ver miúdos de 7 anos que me reconhecem", conta. "Tenho uma voz inconfundível, para o bem e para o mal", diz, entre risos. Os amigos do filho é que só acreditam vendo.

Na nova fase, na Sport TV, diz que quer continuar a fazer coisas diferentes, motivo por que trocou a RTP pela SportTV (depois de ter rejeitado um convite para voltar à SIC, há dois anos). "Não mudei por razões financeiras, mas também não mudei para pior. Na SportTV, um canal de desporto, oferecem-me coisas que os outros não podem dar. Quero mais do que comentar jogos. Quero fazer programas de autor, falar de futebol como eu gosto, sob vários pontos de vista. Misturar a primeira bailarina do Royal Ballet de Londres, a espanhola Tamara Rojo, com Cesc Fàbregas, avançado que até há seis meses jogava no Arsenal. "O futebol para mim tem uma componente de arte, com estilos diferentes. Não há nada que ligue o futebol de um brasileiro com o de um sueco."

E uma coisa mudou: os que antes o viam rodeado de revistas e jornais especializados em futebol e diziam "Para que serve isto?" são os mesmos que dizem agora "Nasceu para isto." Ele só quer uma coisa: "Paz interior com efeitos secundários." Viver bem, pois claro.

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