Luigi Toscano fotografa o passado para que não se repita o holocausto
É impossível continuar. Não dá para seguir caminho porque ela prende-nos. Procuramos nos olhos pretos de Susan alguma pista, algum sinal de como foi aquele tempo que passou em Auschwitz. São 96 anos e um sorriso, dos muitos que o Holocausto não lhe roubou. No campo de concentração mais mortífero da história do III Reich passou três anos, já antes tinha sido forçada a viver no gueto de Theresienstadt. Perdeu a mãe, conseguiu reunir-se com o pai depois da guerra, e nunca mais deixaria de partilhar a sua história. Uma entre as mais de duzentas que Luigi Toscano conseguiu transmitir com um clique. Um segundo de silêncio que guarda anos de dor.
Foram tantos os "não" que ouviu que seria impossível esquecer o primeiro "sim". Foi Susan Cernyak Spatz quem o deixou usar o flash pela primeira vez, em Heidelberg, na Alemanha, e mais tarde na Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Foi a primeira sobrevivente que Luigi Toscano conseguiu fotografar e essa foi também a primeira vez que viu "um número de um antigo prisioneiro de um campo de concentração tatuado na pele".
Susan arregaçou a manga da camisola verde e mostrou os cinco dígitos, cinco para as mulheres, seis para os homens. O início não foi fácil, sublinha o fotógrafo italo-germânico: "Todas as instituições e organizações oficiais diziam que tinham dúvidas sobre o destino que eu iria dar a este projeto e não me ajudavam. Depois, quando viram as primeiras fotografias, começaram a confiar e a dar-me contactos de sobreviventes um pouco por todo o mundo." Nos últimos três anos, altura em que começou Gegen das Vergessen, que também ganhou um nome em inglês Lest we Forget (Contra o esquecimento), juntaram-se ao trabalho rostos de seis países: Alemanha, Rússia, Ucrânia, Israel, Polónia e Estados Unidos. O autor, de 46 anos, começou por gastar do próprio dinheiro para fazer as viagens, agora já conta com alguns apoios, nomeadamente da autarquia de Mannheim, cidade onde vive.
Pelos países por onde passa, mudam as línguas, mas o fotógrafo Luigi Toscano sabe que o idioma do sofrimento e da perda vividos naqueles anos é comum, e não há maquilhagem que os apague. Garante que não desenvolve este trabalho "como um fotógrafo convencional ou como um jornalista. Estou com estas pessoas como ser humano. Na Rússia, por exemplo, estive com uma senhora, os dois sentados na sua cozinha. Passámos mais de duas horas a conversar sobre a sua história e só depois lhe pedi para me deixar fotografá-la."
Na intimidade da casa, o fotógrafo pede um olhar direto para lente, é quase um olhar para o passado, mas essencial, consideram as vítimas do nazismo. É Susan Cernyak Spatz que "dá o mote" a esta exposição itinerante. "Ela disse-me uma vez", conta o fotógrafo, "Luigi, quando criticarem este teu trabalho, quando falarem mal deste projeto, conta-lhes a minha história, diz-lhe que se as pessoas esquecerem a maldade que aconteceu, estão condenadas a repeti-la".
Até 1 de março o projeto Gegen das Vergessen está exposto na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque. Na cidade de Berlim, até 14 de abril, 48 das mais de duzentas fotografias são exibidas ao ar livre junto ao Palácio de Charlottenburg.
Estão no meio da avenida, num caminho pedonal, onde Luigi Toscano vai respondendo a algumas dúvidas de quem por lá passa, "porque é que faço isto, quantas pessoas já fotografei ou se são apenas judeus. Eu respondo que não, não são apenas judeus, há também outras vítimas, homossexuais ou ciganos, por exemplo".
Não tem uma meta, um número que pretenda alcançar, mas não quer ficar por aqui. Tem recebido pedidos de países como Brasil ou Austrália, onde espera conseguir ir: "Vamos ver o que consigo fazer." Quer fazer mais, ir mais longe, para que ninguém esqueça. Uma vontade que começou quando tinha 18 anos: "Visitei pela primeira vez o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau e vi todas aquelas histórias horríveis. Nem consegui acreditar que seres humanos tinham feito aquilo a outros seres humanos."