Lucros caídos do céu
Ao longo dos últimos meses, temos assistido com frequência e, diria, perplexidade, aos lucros recorde anunciados por grandes empresas. Começaram por se manifestar no setor energético, onde o custo do gás e do petróleo serviu de desculpa para aumentos de preços mais generalizados, alguns que só a especulação explica.
Para mitigar os aumentos no setor elétrico, Portugal e Espanha implementaram um mecanismo que tem permitido poupanças de 15% para os consumidores. Ainda assim, os preços cobrados aos consumidores subiram de forma significativa.
A constatação de que os preços aumentaram de forma desproporcional obtém-se de forma quase imediata quando verificamos que essas empresas estão a registar subidas ainda muito significativas dos seus lucros. Resultados que não advêm de melhor eficiência, estratégia empresarial ou crescimento de quota de mercado. Foram somente os preços que subiram muito mais do que os custos.
Os lucros obtidos por essa via resultam, portanto, de uma transferência direta de dinheiro das famílias para as empresas. E isto não é aceitável quando as famílias já estão a sofrer tanto devido às consequências da guerra na Ucrânia.
Mas o setor energético não foi o único a ganhar com o contexto de guerra, e as pessoas sentem-no quando vão ao supermercado. Para muitas famílias, o saco das compras vem mais leve. Segundo o INE, o preço dos bens alimentares aumentou mais de 18% face ao ano passado.
Para apoiar as pessoas com mais dificuldades a superar esta escalada de preços, o governo propôs um "imposto" temporário sobre lucros extraordinários. Esta proposta, porém, não apenas contempla as empresas energéticas (que a Comissão Europeia já tinha proposto taxar), mas estende-se também às grandes empresas de distribuição alimentar, antecipando-se assim a uma discussão que se começa agora a fazer a nível europeu.
Sem surpresa, as empresas do setor contestam a taxa. Porquê partilhar uma pequena parte do jackpot que lhes caiu do céu?
Mas sempre se pode dizer: podem estar descansados esses grandes acionistas. Se porventura tudo estiver bem, e não houver crescimento extraordinário dos lucros por causa do aproveitamento da guerra, então não terão que pagar qualquer imposto extraordinário. Em qualquer caso, pergunto-me: se assim é, por que se mostram tão preocupados e já preparados para contestar a iniciativa em tribunal?
Mais difícil de compreender é a posição do PSD (que a da IL já não surpreende). Montenegro desde logo se opôs à tributação extra no setor energético, com a qual até o seu grupo político europeu está a favor. E, naturalmente, está também contra a sua aplicação à distribuição alimentar.
Pressionado pelos partidos à sua direita que lhe conquistam eleitorado, o PSD rende-se às agendas radicais.
Fez bem o governo em ignorar esta radicalização à direita, tendo apresentado uma proposta ainda mais ambiciosa do que a antes avançada pela Comissão Europeia. Porque precisamos mesmo de ambição quando se trata de apoiar os que mais sofrem em Portugal com as consequências da guerra, pedindo um esforço mais do que justo aos que possam estar a ganhar com o sofrimento dos outros.
A jogar em casa, a nossa seleção não vacilou. Portugal sagrou-se Campeão Europeu e Mundial, batendo a Holanda na final. Para quem assistiu ao jogo, além da capacidade e mérito dos nossos atletas, sobressai o tremendo espírito de superação que esta modalidade exige.
Estão de parabéns.
Eurodeputado