Luaty Beirão diz que só para protesto ao regressar a cela de "presos políticos"
O 'rapper' luso-angolano Luaty Beirão garante que só termina o protesto de permanecer seminu numa cela do Hospital-Prisão de Luanda quando regressar a uma caserna "exclusiva para presos políticos", como diz em que estava até à quarta-feira passada.
A posição do ativista, um dos 17 condenados pelo tribunal de Luanda até oito anos e meio de prisão por atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores, surge expressa numa carta manuscrita pelo próprio e dirigida à mulher, Mónica Almeida, à qual a Lusa teve hoje acesso em exclusivo.
"Vamos ver o que as chefias decidem, mas por mim não aceito menos do que já tinha: caserna exclusiva para presos políticos (...) nada de espiões, no bloco D da comarca de Viana", escreve Luaty Beirão, justificando o protesto que iniciou na quinta-feira. "Depois de ter este mínimo que já tinha sido conquistado e arrancado a ferros, passaremos a negociar as melhorias que acharmos nos serem devidas", lê-se ainda na carta.
Os ativistas - 15 homens, duas mulheres na cadeia feminina - estavam concentrados na sobrelotada cadeia de Viana, arredores da capital, e terão começado a relatar para o exterior alegadas violações dos direitos humanos naquele estabelecimento. Na quarta-feira foi concluída a transferência de 12 dos homens para o Hospital-Prisão de São Paulo, no centro de Luanda, por parte dos Serviços Penitenciários, que justificaram esta mudança com as recorrentes queixas das ativistas sobre as condições em que se encontravam.
[artigo:5165931]
No entanto, segundo o relato feito pelo próprio, Luaty Beirão foi transportado em 'boxers', como se encontrava na cela. Em protesto, já na nova cadeia, não aceitou vestir-se, o que o impede de sair do interior, seminu, como se encontra, para se alimentar ou tomar banho.
A comida começou a ser levada no sábado, pelos familiares, até à porta da cela, mas, seminu, Luaty Beirão mantém o protesto e exige regressar à cadeia de Viana sem qualquer outro tratamento de exceção. Isto, aludindo às condições substancialmente melhores oferecidas no hospital-prisão, onde esteve parcialmente nos 36 dias de greve de fome que promoveu em protesto entre outubro e novembro, ainda antes do julgamento.
"Mais uma vez a atrapalhação destes camaradas lá de cima me obriga a um pequeno protesto na senda da desobediência/não-cooperação/insubmissão ao grotesco, ao primário, ao arbitrário", escreve Luaty Beirão.
Na carta, o ativista descreve como foi "carregado" pelos agentes dos Serviços Penitenciários como "saco de fuba", porque resistiu à transferência: "Carregaram-me tal como me encontro hoje: de 'boxers'".
[artigo:5101999]
"Largaram-me no chão dizendo 'se quiserem durmam [Luaty Beirão e Nélson Dibango, outro dos ativistas condenados neste processo] mesmo aí no chão. Então deixei-me estar no chão, onde permaneço até agora, onde durmo da forma que me trouxeram", escreve o ativista. E garante que não vestirá nada até que o devolvam a Viana [cadeia], frisando: "Nas mesmas condições que deixei".
O protesto inclui receber comida apenas das mãos de familiares, até porque em 'boxers' os Serviços Penitenciários não permitem a sua saída para a zona de refeições.
Luaty Beirão, um dos rostos mais visíveis na contestação ao regime do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, foi condenado a 28 de março a uma pena total de cinco anos e meio de cadeia, que começou a cumprir no mesmo dia, por decisão do tribunal, apesar dos recursos da defesa.
Ao todo, dos 17 ativistas condenados neste processo, 12 tinham sido concentrados até quarta-feira naquele hospital-prisão, enquanto outros três estavam na cadeia de Caquila, Viana.
Duas jovens permanecem na cadeia feminina de Viana, também arredores da capital. Neste caso, conforme denunciou segunda-feira à Lusa um familiar, as duas terão sido vítimas, no domingo, de agressões físicas por parte de outras reclusas.
[artigo:5155498]