Luanda: regresso à terra
Vir a Luanda é para mim, sempre, um regresso a casa. Se Portugal é o meu país, Angola é a minha terra. O clima quente e húmido, nesta altura do ano particularmente ameno, os cheiros ou as cores são para mim um conforto extraordinário. Em cada esquina há uma memória familiar viva, particularmente intensa quando rezo pelos familiares aqui sepultados. Em cada encontro recebo um acolhimento afável e generoso que me faz sentir bem.
Há seis anos que não regressava a Luanda. Data de 2004 o meu primeiro regresso, na altura como diretora do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça, no quadro de uma cooperação europeia para os PALOP. Depois, entre 2008 e 2010, para dar aulas na Universidade Agostinho Neto, num curso conjunto de doutoramento e mestrado da Faculdade de Direito da Agostinho Neto e da minha Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. E por essa altura também no quadro da Angola Desk da sociedade de advogados Morais Leitão, na abertura de um escritório em Luanda. Em 2012, como ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, altura em que tive o gosto de estar no Lubango.
Em cada viagem observei atentamente mudanças na cidade, no país. Das mais visíveis - como o lixo acumulado nas ruas em 2004, dois anos depois da guerra, que depois foi desaparecendo, ou a construção que a cada seis meses apresentava mais uma torre de escritórios ou apartamentos - às mais subtis. Vi a antiga marginal qual anos setenta, e depois a mesma marginal feita estaleiro, sem palmeiras, conquistando terra ao mar na maravilhosa baía de Luanda. Desesperei com o trânsito infernal e a dificuldade em chegar a pontos próximos da cidade. Mas o que mais me impressionou sempre foi a efervescência da cidade, com uma população particularmente jovem. Basta dizer que, do ponto de vista demográfico, Portugal e Angola estão nos antípodas: Portugal com uma baixíssima natalidade e uma esperança média de vida acima dos 80 anos, Angola no topo da natalidade mundial e uma esperança média de vida na casa dos 50. Portugal é um país demograficamente envelhecido, Angola um país muito jovem. Se para Portugal o maior desafio da saúde coloca-se a nível das pluripatologias dos mais idosos, para Angola, um dos maiores desafios continua a ser baixar a elevada taxa de mortalidade infantil.
Seis anos depois da minha última visita, a cidade mudou muito, o trânsito afrouxou - dizem que foi efeito da crise -, mas as construções multiplicaram-se. A sky line de Luanda sugere uma aproximação às cidades modernas do Médio ou do Extremo Oriente. Já não há o mercado do Kinaxixe, mas as quitandeiras continuam com os cestos de fruta à cabeça e as crianças às costas. Se em 2004 quase não havia comércio de rua, hoje as lojas multiplicam-se nos mais variados setores, das farmácias aos ginásios. Se continuamos a ver o contraste entre o que é novo e o antigo, hoje há vários espaços públicos requalificados na cidade e é possível correr na ciclovia da marginal, de novo repleta de palmeiras. Há torres fantásticas e zonas da cidade completamente construídas, mas também continuamos a sobrevoar os enormes bairros de autoconstrução desordenada. Os desafios são imensos.
Vim a Luanda para dar uma palestra sobre as mulheres e a política a convite da Universidade Agostinho Neto. Uma assistência particularmente atenta e interventiva colocou-me as mesmas questões que se colocam em Portugal e porventura seriam colocadas em quase todas as partes do mundo. Numa sociedade com uma forte presença feminina, fiquei a saber que em 2008 o Parlamento angolano tinha 40% de mulheres, sem que qualquer lei o impusesse, mas iniciou-se uma tendência descendente e nas últimas eleições ficaram apenas 30%. Validei a minha forte convicção de que sem a imposição da lei é muito fácil reverter progressos.
Falei com muitas pessoas, muitas que me foram abordando informalmente e contando as suas perceções. Tive boas reuniões bilaterais com os maiores partidos políticos, sinalizando sempre a visão do CDS em contribuir para um bom relacionamento entre os dois Estados, de igual para igual, com respeito pelas soberanias e objetivos comuns de desenvolvimento e progresso.
Deixo Luanda sempre com o desejo de voltar, com vontade de convencer os meus pais a virem matar as profundas saudades e a encerrarem um capítulo longo das suas vidas. Deixo Angola com uma imensa vontade de ter tempo para trazer os meus filhos e conhecer o país, com um desejo de poder estar não ao ritmo frenético do trabalho, mas ao sabor lento do prazer da descoberta. Um dia será.