Lua-de-mel republicana

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Neste ano a República voltou a ser celebrada em dia feriado. Não que se tivesse notado muito, a julgar pelo vazio em que estava o Largo do Município pelas onze da manhã. Fora os convidados oficiais, com lugar sentado, a televisão mostrava apenas uns quantos curiosos a ouvir os discursos do presidente da Câmara de Lisboa e do Presidente da República.

A julgar pelos discursos de Medina e de Marcelo, vivemos hoje uma lua-de-mel republicana. Se as eleições fossem hoje, o PS ganhava com 39% dos votos.

Já o Presidente está com taxas de popularidade acima dos 90%, segundo a última sondagem da Aximage. Com estes resultados, a relação entre PS e Marcelo vai de vento em popa. O país nem tanto, mas não se falou disso nos discursos oficiais.

De facto, Fernando Medina falou muito pouco de Lisboa. À parte umas frases sobre política de habitação social para a classe média e de objetivos cumpridos para o pré-escolar, e por cumprir para os restantes graus de escolaridade, o discurso do presidente da câmara foi vazio. Lisboa é uma cidade cheia de desafios atualmente, que passam seja pela mobilidade viária, que devido a planos da câmara está muito dificultada, seja pelos problemas crescentes no funcionamento do metro de Lisboa, seja pelos aumentos na turistificação da cidade, que - por razões certas ou erradas - preocupam os lisboetas. Sobre isso Medina não teve uma palavra. Uma ocasião perdida portanto, numa altura em que já se pensa nas eleições autárquicas. Apesar de não ter falado de nada do que sabe, o presidente da câmara elogiou Marcelo, dizendo que este tem contribuído para reforçar a confiança dos portugueses.

No seu discurso, que foi mais interessante, Marcelo falou sobre a ética republicana, sublinhando que não há liberdade sem democracia e Estado social. Depois, num exercício retórico, o Presidente colocou uma questão importante: perante a abstenção, o alheamento e a apatia dos portugueses em relação ao nosso regime republicano democrático, será que estes prefeririam um regresso à monarquia? Ou mesmo um regime ditatorial?

Para o Presidente da República, não restam dúvidas de que, instados a responder, a maioria dos portugueses optaria pela República democrática, e recusaria tanto a monarquia como a ditadura. Tenho conhecimento de apenas um inquérito realizado nos anos 90 sobre o que pensam os portugueses da monarquia, pelo que não há dados para discutir o assunto. Já sobre a segunda questão, fazem-se recorrentemente inquéritos aos portugueses em que se pergunta se preferiam um regime de "líder forte", ou um regresso ao autoritarismo.

No auge da crise económica, com a insatisfação com a democracia em valores acima dos 50 por cento, o número de portugueses que colocava a hipótese de um governo autoritário era preocupante. Além disso, numa altura de crise, todos os referendos são instrumentos a evitar, como se tem visto recentemente.

Perante os sintomas da crise de democracia que existem, Marcelo só sugeriu mudanças no comportamento dos políticos, esquecendo-se que em grande medida a insatisfação com a política em Portugal deriva do facto de não haver crescimento económico nem ganhos substanciais no nível de vida.

Marcelo sabe bem que, se a insatisfação com os políticos tem uma dimensão política, ela tem outra que se resume aos resultados económicos. Pois bem, com um ano de geringonça, temos um crescimento económico muito abaixo das expectativas de todos, e sem perspetivas de aceleração para 2017. Mas Marcelo absteve-se de mencionar sequer isso.

Este 5 de Outubro foi por isso uma oportunidade perdida em que os principais partidos e órgãos de governo não falaram para as pessoas. Medina não falou para as preocupações dos lisboetas. E Marcelo não foi capaz de exigir ao governo não apenas uma resposta política mas também económica para a crise na cidadania portuguesa. A lua-de-mel republicana tem destas coisas.

Politóloga

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