Londres fala várias línguas e nem todas são contra o brexit

Boris Johnson defendeu amnistia para imigrantes ilegais que vivem no país há mais de 12 anos após críticas a cartaz de Nigel Farage
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"Acho que é melhor o Reino Unido sair da União Europeia, mas aquilo que os britânicos decidirem está bem de qualquer forma. Quer sejamos afegãos, refugiados sírios, britânicos, no final do dia, somos todos seres humanos. Não estamos uns contra os outros, a vida é curta e cada um deve poder viver onde quer." As palavras num inglês macarrónico saem de uma assentada da boca de Ahmad Ahmadi durante uma pausa atrás do balcão da sua loja de kebabs em Kensal Green, no oeste de Londres. O referendo de quinta-feira não tira o sono a este afegão, que vive há 16 anos na capital britânica e só se chateia que a questão da imigração seja arma de arremesso na campanha. "Não acho que a imigração seja um grande problema e o país pode lidar com isso", defende.

Depois de Nigel Farage, líder dos independentistas do UKIP, ter incendiado as hostes com um cartaz com uma foto de refugiados, que fazia lembrar a propaganda nazi, ontem Boris Johnson, outro dos defensores do brexit, veio dizer-se "pró-imigração". Num comício no mercado de Old Billingsgate, o antigo presidente da câmara de Londres, membro do Partido Conservador do primeiro-ministro David Cameron, defendeu mesmo uma amnistia para os imigrantes ilegais que vivam há mais de 12 anos no país, alegando que atualmente são "incapazes de contribuir para a economia, de pagar impostos, de fazer parte da sociedade de uma forma correta".

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Ahmadi garante que tem os papéis em ordem e que por isso essa proposta não o afetaria. E está totalmente de acordo com Johnson. "Se queres vir para o Reino Unido tens que trabalhar, tens que pagar impostos, tens que contribuir para a melhoria da vida no Reino Unido", refere o afegão, que não tinha ouvido o discurso do ex-mayor. "É humano e economicamente racional. E significa recuperar o controlo de um sistema que, neste momento, está completamente fora de controlo", disse Johnson no comício. "Este é o caminho a seguir para neutralizar os extremistas", acrescentou o ex-autarca, que não esqueceu as suas raízes turcas. "Sou um orgulhoso descendente de imigrantes turcos", lembrou, antes de chamar a atenção para a eventual nova vaga dos conterrâneos do seu avô que poderá chegar ao Reino Unido caso a Turquia entre na UE ou, ainda antes, se houver liberalização dos vistos ao abrigo do acordo com Ancara para travar os refugiados sírios que passam por ali.

Kerim não gosta que o seu país natal seja dado como exemplo negativo e que se diga que a culpa é dos turcos. Está em Londres há cinco anos e não diz o apelido porque não está legalizado. Vai trabalhando onde aparecem oportunidades. Entrou na loja de Ahmad para comprar um kebab e reagiu quando ouviu a palavra Turquia. Sobre o referendo não tem ideia. "Não sei se é bom ou mal, não quero saber. Só não quero que se desculpem com o meu país", diz antes de sair.

Incógnita

É domingo, não chove e as temperaturas rondam os 20 graus. Em Londres isso é suficiente para uma romaria aos parques. No autocarro 70, que para junto aos Jardins de Kensington, a língua inglesa parece estar em minoria. Há duas jovens que falam da saída da última noite em espanhol, uma mãe de véu que, pela entoação da voz e pelos gestos, se percebe estar a ralhar com o filho. Nas ruas, só o à vontade permite distinguir entre o imigrante, que já conhece o caminho, e o turista.

No parque, à sombra de uma árvore, Marie Laure mostra-se mais preocupada com o brexit. "Não sei o que vai acontecer depois de dia 23", indica a francesa, que trabalha numa imobiliária e vive há oito anos em Londres. "A verdade é que não percebo este referendo, não percebo porque foi convocado e não sei que consequências trará. Fala-se que o preço das casas pode cair", conta, distraindo-se com um esquilo que salta à sua frente. O namorado, escocês, trabalha na área das ciências e Marie Laure diz que ele também está preocupado com os cortes nos fundos europeus que podem resultar numa perda de capacidades científicas.

A francesa não ouviu as propostas de Johnson, que considera apenas "promessas eleitorais" sem importância. Sobre o cartaz de Farage, achou de mau gosto, depois de ter lido que se inspirava na propaganda nazi. Admite que já ouviu criticar os imigrantes, mas tem a noção que é uma coisa de "eles e nós". "Quando criticam, estão a criticar os de leste, não falam dos franceses, dos alemães ou até dos portugueses", explica.

Enviada a Londres

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