Ao longo de décadas, a Estalagem do Gado Bravo, situada a meio da Recta do Cabo (EN10), em Vila Franca de Xira, foi um verdadeiro ex-líbris da lezíria ribatejana, local muito bem frequentado, quase sempre em festa, que serviu de ponto de encontro a lavradores, ganadeiros e toureiros, mas onde também pernoitaram figuras importantes da política, da cultura e da vida artística. .O local de todas as festas, como é hoje saudosamente recordado por aqueles que o frequentaram ou que lá trabalharam, está encerrado há mais de 19 anos. E das imponentes instalações de outrora só resta praticamente a fachada em ruínas, onde despontam, já sem brilho, as quatro estrelas que classificavam a unidade hoteleira. O tentadero que influenciou o nome da estalagem, situado nas traseiras do edifício - projectado para o campo que serve de pasto ao gado bravo -, também foi colhido pela acção do tempo, restando agora apenas as recordações de momentos altos ali vividos por aficionados e figuras da Festa Brava como o matador de toiros vila-franquense José Júlio, que, numa tarde memorável, ouviu naquela praça os primeiros "olés" da sua carreira.."É uma pena ter-se deixado esta casa atingir a situação irreparável em que se encontra", lamenta António Abrantes, concessionário, há 21 anos, das bombas de combustível contíguas à antiga estalagem. O empresário, que assistiu à derrocada final do Gado Bravo, lembra-se bem da época dourada da antiga estalagem: "Era uma grande casa, que trabalhava muito bem, organizava grandes festas ribatejanas e festas campeiras; os lavradores mais antigos sentem muito a sua falta, era um ex-líbris da região por onde passava muita gente famosa, até dormiu cá a Rainha de Inglaterra", resume..O abandono e a destruição da antiga Estalagem do Gado Bravo não passam despercebidos aos milhares de pessoas que todos os dias cruzam a Recta do Cabo (entre o Porto Alto e Vila Franca de Xira), através da Ponte Marechal Carmona, de Vila Franca de Xira. "Conheci bem esta casa, era muito bem frequentada, encontrava-se aqui gente de todo o lado, nas viagens entre o Norte e o Sul era quase um ritual parar aqui, para tomar uma refeição ou para pernoitar", recorda o vendedor José Guimarães enquanto abastece a viatura e deita um olhar cheio de tristeza às ruínas da vetusta unidade hoteleira.."Saudade" e "bons tempos" são as expressões que mais fluentemente soletram aqueles que frequentaram o local, casa de encontros e de festas, onde se saboreavam os pratos regionais e os bons vinhos da região, enquanto se dançava ao som dos conjuntos famosos da época. Pelos palcos do salão decorado com motivos ribatejanos ou do pátio magnífico, entre o edifício principal e a praça de toiros, passaram grandes vozes da música nacional como Amália Rodrigues, Hermínia Silva ou Alfredo Marceneiro. .O músico Henrique Cardoso, que integrou um dos conjuntos que animaram a estalagem durante vários anos nas décadas de 60 e 70 - a orquestra Aliança -, evoca com prazer as noites de passagem de ano, os bailes de Carnaval e as tardes de animação que viveu no Gado Bravo. "Era uma casa respeitada, não era para qualquer família porque era um pouco cara e vivia-se mal, mas tínhamos casais que vinham de Setúbal, Lisboa ou Torres Vedras para assistir às nossas actuações", frisa o músico, de 79 anos..Decorridos 19 anos sobre o encerramento da estalagem, no âmbito de uma operação imobiliária que deveria ter conduzido à sua remodelação, todo o edifício ameaça ruir. A queda do telhado permitiu as infiltrações que destruíram o que restava e tornaram a recuperação impossível. Os quartos, o pátio da animação, o salão de festas, os bares, a cozinha, a bilheteira junto da praça de toiros estão irreconhecíveis. Restam as paredes exteriores, onde sobressai a dignidade da fachada que, emblematicamente, é aproveitada pelas principais praças taurinas para afixar os cartazes das corridas de toiros..Para trás ficou um projecto de reabilitação apresentado em 2001, que previa a construção de 116 quartos, um restaurante, um pavilhão multiusos e uma piscina com balneários de apoio, além da recuperação do tentadero para a promoção de actividades taurinas, que caducou e foi abandonado pela empresa promotora. .Beneficiando do facto de continuar a ser um ponto de referência importante, em termos de localização dos acidentes que acontecem na fatídica Recta do Cabo, por parte das rádios e das televisões, o Gado Bravo alberga agora uma rulote que vende bifanas e cachorros quentes durante a noite a quem passa na EN10, num quadro decadente que não podia contrastar mais com a imponente estalagem de outros tempos.