Llansol, escritora que quebrou as barreiras

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"A morte é dar como verdadeiro o que é." Maria Gabriela Llansol escreveu a frase lapidar a propósito de Jade, um cão, a quem dedicou um livro pela morte. Jade morreu e Llansol escreveu Amar um Cão. Foi em 1990. Agora (finais de 2007) saiu uma nova edição Desenhos a Lápis com Fala - Amar um Cão (Assírio & Alvim), com desenhos do marido, o já falecido Augusto Joaquim. Ainda viu o livro antes de a doença a enfraquecer. Viu o cão pelos olhos do marido. Jade, que "partiu de Colares seguindo o itinerário da geografia do seu corpo", despedia-se Llansol. Ontem, ao início da tarde, também a escritora abandonou para sempre a sua casa- -refúgio junto de Sintra. Tinha 76 anos e o seu corpo vai hoje a enterrar no cemitério dos Prazeres, em Lisboa (14.00).

Viveu discreta na vida, expondo- -se na escrita. Autora de culto, deixa uma vasta obra que inclui ensaio, romance, diário, tradução, e, por vezes, tudo isto numa obra. Difícil de classificar, era um dos nomes mais respeitados das letras em Portugal. Em 2006 destacou-se ao vencer o Grande Prémio de Romance e Novela da APE com o romance Amigo e Amiga (Assírio e Alvim). No final do ano passado publicava o seu último inédito Os Cantores de Leitura, também com chancela da Assírio.

Ontem, poucas horas após se saber da sua morte, João Barrento, um estudioso da obra da escritora dizia que a sua escrita "vivia da matéria do mundo", reagindo a quem a acusava de ser hermética e demasiado mítica ou esotérica. "É só uma questão de saber olhar", acrescentava. No blogue DaLiterarura, o escritor e crítico Eduardo Pitta: "Morreu Llansol, provavelmente a maior prosadora portuguesa do século XX, alguém que não era romancista, sequer uma ficcionista no sentido tradicional do termo, por não caber nos parâmetros do género." Eduardo Prado Coelho, a quem dedicou o último livro, chamou-lhe uma da vozes "mais secretas e discretas na literatura portuguesa contemporânea".

Que mulher era esta que escolheu viver isolada mas se revelou na escrita? Ela apresenta-se: "...eu nasci em 1931, no decurso da leitura silenciosa de um poema." Início prenunciador. Foi em Lisboa, a 24 de Novembro, e o nome Llansol veio-lhe dos bisavós maternos, naturais da Catalunha.

O perfil de Maria Gabriela Llansol Nunes da Cunha Rodrigues Joaquim diz que cursou Direito em 1955 e Ciências Pedagógicas em 1957. O ensino levou-a à Bélgica e aí ensaiou uma nova linguagem que haveria de perseguir e aperfeiçoar ao longo da sua carreira. Uma "língua sem impostura" com a qual escreverá uma das suas obras mais marcantes, O Livro das Comunidades (1977). O lugar no sentido de sítio é marcante na sua escrita e dá nome a muitos dos seus livros. Lovaina (1965-75) ou Herbais (1980-85) são apenas dois exemplos.

Em 1985, regressa a Portugal. Publica Lisboaleipzig e traz a outro tempo personagens da história e da literatura. Pessoa ou Bach, e também Espinoza, Camões, Hölderlin ou São João da Cruz. Presente e passado cruzam-se livremente, como livres foram as suas regras de escrita.|

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