Livre: os precários e bolseiros que pegaram em trinchas e fizeram da net o seu escritório
Era uma pequena loja de acessórios de moda, que não sobreviveu ao inverno da crise, e é hoje o ponto de encontro de uns quantos irredutíveis livres - são voluntários que se meteram na política porque acham que é tempo de avançar. Precários, desempregados, bolseiros, estudantes é o retrato possível da gente que por ali passa, na sede do Livre/Tempo de Avançar (L/TdA), na Rua dos Mastros, 27, em Lisboa.
Há quem nunca tenha pegado numa trincha com cola, há gente que nunca esticou faixas em postes e quem não tenha pendurado cartazes a não ser agora. "Tudo nos cai em cima, todas as coisas banais, como assinar contratos da luz, por exemplo", descreve Maria João Pires, responsável pelas redes sociais, que recebe o DN na sede.
O partido que tem um único funcionário (o assessor de imprensa) repete nos seus candidatos o perfil dos voluntários: "Há uma enorme percentagem de trabalhadores precários e bolseiros. Não há possibilidade de tirar a licença de um mês", que a lei permite e que são pão para a boca de outros partidos.
Apesar da experiência dos rostos mais visíveis - Ana Drago já foi militante e deputada do BE; Rui Tavares esteve como independente eleito pelo BE no Parlamento Europeu; Daniel Oliveira foi militante e assessor de imprensa também do BE; e há quem tenha vindo do PCP -, sobra a inexperiência misturada com o entusiasmo da primeira vez, de quem vota ou de quem se candidata. Mas o L/TdA arriscou fazer campanha pelo país, com núcleos ativos em todos os círculos eleitorais. Para um projeto que germinou em 2014 é obra, ou "uma loucura", como admitem entre sorrisos.
"Abençoada internet", solta Maria João, para explicar como se organiza o partido. "É o verdadeiro escritório virtual", onde o Skype ou o Google Groups são meios de comunicação muito úteis. Até nos comícios: hoje à noite, Boaventura de Sousa Santos intervém em Coimbra através de Skype.
O desenrascanço serve também nos tempos de antena: o L/TdA socorre-se de voluntários com competências técnicas, para ultrapassar os prazos apertados da Comissão Nacional de Eleições, que só "a 48 horas" do fim de semana em que arrancava a campanha distribuiu tempos e emissões. "O sistema não está montado para partidos pequenos, sem dinheiro e sem pessoas", aponta Filipa Vala.
Na sede sobra pouco espaço para arrumar o material de campanha, que se guarda noutros locais. Há um armário esconso e três móveis. As bandeiras saem à rua em iniciativas como na quinta-feira, no centro de Lisboa, contra o resgate dos bancos em detrimento das pessoas. E haverá duas mil papoilas a sair à rua nos próximos dias.
Ana Drago chega à Escola Básica da Apelação, junto à Quinta da Fonte, em Camarate, Loures, sem som e sem bandeiras. Uma papoila, o símbolo do partido ao peito, distingue a comitiva que é guiada pelo diretor da escola, Nuno Correia.
As conversas desembocam nos famigerados rankings das escolas, numa das que ocupam um dos lugares em baixo. "Eles sabem que não é verdade", defende-se o diretor falando dos alunos. "É um projeto partilhado", insiste. E desfia o verão em que alunos, funcionários e professores andaram a pintar a escola, reciclando tintas antigas esquecidas. "O sucesso escolar é baixo mas temos alunos que chegam ao 1.º ciclo sem saber dizer uma palavra em português", explica Nuno Correia, que prefere medir o sucesso por outros parâmetros, como a orquestra de miúdos ou as pinturas de verão. Ou pela sala de castigos que é hoje uma sala de gestão de conflitos.
Ana Drago regista e pontua a visita com perguntas. Mas também puxa dos galões de antiga deputada. "Foi uma das minhas poucas conquistas", recorda, sobre o fornecimento de pequenos-almoços a alunos que não o tomaram. Para o Livre, este país conta. E quer contar com ele na hora do voto.