Lisboa-Vigo de comboio pode pôr o país a concorrer com Roterdão

Cidades intermédias e proximidade a mais de uma dezena de portos explicam opção pelo eixo Atlântico, com passagem pelo Porto, em detrimento da ligação ​​​​​​​Lisboa-Madrid.
Publicado a
Atualizado a

Há mais de duas décadas que a troço Lisboa-Madrid estava em destaque na ligação de comboio de alta velocidade entre Portugal e Espanha. Só que o programa de investimentos para 2030 (PNI 2030) dá prioridade ao eixo Lisboa-Vigo em vez da ligação ferroviária entre as duas capitais ibéricas. A opção do governo merece o consenso dos especialistas ouvidos pelo Dinheiro Vivo por causa da combinação de trajetos entre as várias cidades intermédias no eixo Atlântico, e ainda por causa dos portos.

"É uma ligação que já tínhamos pedido há algum tempo e que junta 11 portos: Sines, Setúbal, Lisboa, Aveiro, Leixões, Viana do Castelo, Vigo, Pontevedra, Villagarcía, Corunha e Ferrol. Esta linha ajudaria a tornar a faixa atlântica na principal porta de entrada de mercadorias da Europa, competindo com Hamburgo e Roterdão", atenta o secretário-geral da associação transfronteiriça Eixo Atlântico, Xoán Vázquez Mao.

A ligação pela faixa costeira também tem impacto para as populações e tem maior potencial de rentabilidade. "Entre Lisboa e Corunha são possíveis muito mais combinações de trajetos porque temos, pelo meio, cidades como Coimbra, Aveiro, Porto, Braga, Vigo e Santiago de Compostela. Entre Lisboa e Madrid, só temos Évora e Cáceres, o que apenas justifica o trajeto entre as capitais", destaca o administrador do portal especializado Portugal Ferroviário, João Cunha.

O novo corredor ferroviário Atlântico depende da construção de uma nova linha Lisboa-Porto, e de uma ligação entre Porto e Vigo, num investimento total de 5,4 mil milhões de euros ao longo dos próximos dez anos. Os novos troços serão construídos em bitola ibérica , mas terão travessas polivalentes para eventual mudança para a norma europeia.

Em estado mais avançado está a nova linha Lisboa-Porto, que deverá custar 4,5 mil milhões de euros, e que permitirá ligar as duas principais cidades portuguesas em uma hora e 15 minutos. Este troço também vai ajudar a libertar tráfego da linha do Norte, que já não tem capacidade para acomodar mais comboios de passageiros, sobretudo junto a Lisboa e Porto.

Por 900 milhões de euros está prevista uma nova linha de alta velocidade entre Porto e Vigo, com passagem pelo aeroporto Francisco Sá Carneiro. As duas cidades ficarão a perto de uma hora de distância no final desta década; antes disso, será construído um novo troço entre Braga e Vigo.

Os espanhóis terão de investir 200 milhões de euros na saída da cidade galega, avisou em novembro o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, em entrevista ao jornal La Voz de Galicia.

Sem estas intervenções, "o troço Porto-Vigo manterá a velocidade base de 100 km/h, e um tempo de percurso de viagem acima das duas horas", algo que não serve atualmente, lembra João Cunha.

A nova aposta no eixo atlântico "também poderá servir como um metropolitano de longo curso, ajudando a distribuir os passageiros pelas restantes linhas convencionais", segundo o professor da universidade do Algarve, Manuel Tão.

Este especialista lembra também que, com a nova linha, "destinos como Guarda ou o centro do Vale do Douro ficarão a menos de três horas da capital".

Apesar de Portugal se ter virado para Vigo, a ligação entre Lisboa e Madrid não está esquecida pelo governo. Ao abrigo do programa de investimentos Ferrovia 2020, está a ser construído um troço de 80 quilómetros entre Évora e Elvas, que depois fará ligação a Badajoz, do lado espanhol. Estes trabalhos deverão estar concluídos no final de 2023.

Em novembro, Pedro Nuno Santos afirmou à RTP3 que seria possível ligar Lisboa a Madrid numa viagem de comboio de três horas: hora e meia entre Lisboa e Badajoz e o mesmo tempo entre Badajoz e a capital espanhola.

Ao Dinheiro Vivo, fonte oficial do ministério das Infraestruturas explicou que o tempo de viagem entre Portugal e a fronteira seria de uma hora e 35 minutos. "Para um comboio sem paragens, é possível estimar um tempo de viagem Lisboa - Évora de cerca de 70 minutos, pela ponte 25 de Abril. O troço entre Évora e a fronteira pode ser percorrido em 25 minutos por comboios que sejam capazes de circular a 250 km/h", ou seja, a velocidade mínima para um serviço ferroviário de alta velocidade.

Manuel Tão entende que uma ligação de três horas entre Lisboa e Madrid "só é possível com alta velocidade pura entre Madrid e Poceirão", o que não está contemplado do lado português.

Espanha está a construir uma linha de alta velocidade entre Plasencia e Badajoz, a inaugurar em 2030, e a atualizar o troço entre Madrid e Toledo. Ainda assim, "em 2030, a viagem de comboio entre Madrid e Badajoz demorará uma hora e 45 minutos", prevê João Cunha, com base nos planos das autoridades locais.

Mesmo uma terceira ponte sobre o Tejo em Lisboa "apenas retiraria 15 minutos de viagem na ligação para Espanha", acrescenta o administrador do Portugal Ferroviário.

Seja Vigo ou Madrid o destino, é certo que viajar de Portugal para Espanha vai ser bastante mais rápido até ao final desta década, graças aos fundos da União Europeia.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt