Lisboa recebe duelo final de dois pesos-pesados do rock português
Da estatura à cor da pele, são poucas as parecenças entre The Legendary Tigerman e Muhammad Ali, tal como George Foreman também não tem qualquer sósia à altura entre os membros dos Linda Martini. Foi no entanto num famoso combate entre estas duas lendas da história do boxe, conhecido por Rumble in the Jungle, por se ter realizado no Zaire, a 30 de outubro de 1974, que os músicos se inspiraram para dar nome a uma inédita digressão conjunta de dez datas, iniciada a 29 de novembro e finalmente concluída amanhã, com um derradeiro duelo no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.
Apresentado à época como "o maior evento desportivo do século XX", o combate original terminaria com a vitória de Muhammad Ali ao oitavo assalto. Mas ao contrário de então, aqui não há qualquer vencedor. Ou, melhor ainda, do público aos músicos, todos ficam a ganhar, como ambos os grupos fazem questão de sublinhar ao DN, numa conversa conjunta, ao melhor estilo do boxe, mantida num famoso clube de combate lisboeta.
"Não se trata propriamente de um duelo entre nós, essa ideia de combate é mais uma referência ao modo como estamos na música e como ambos os projetos foram crescendo nas respetivas carreiras. No palco não existe, nem poderia existir, segundo a ideia que todos nós temos da música. Obviamente não há aqui nenhum vencedor ou vencido, há sim a ideia de lutarmos juntos para um bem comum, que é a partilha da música, do público e da estrada", refere Paulo Furtado, também conhecido como The Legendary Tigerman.
Foi aliás sua, a ideia de adotar o nome Rumble in the Jungle: "Todas as propostas de nome que nos fizeram nada tinham que ver com o rock and roll, mais pareciam uma coisa de contabilista, tipo 50/50. A dada altura, quando me surgiu esta ideia do combate de boxe, pensei logo em algo muito gráfico, porque o poster original do combate entre o Foremam e o Ali tinha a imagem de África por trás. Imaginei logo uma foto nossa, à frente do mapa de Portugal, com luvas de boxe."
Já André Henriques, guitarrista e vocalista dos Linda Martini, prefere olhar para o conceito de combate mais como um desafio. "Sempre que assistimos ao Tigerman a tocar tão bem antes de nós dá-nos vontade de também querermos dar um grande concerto a seguir", confessa.
A própria digressão foi montada de forma a manter "esse picanço saudável", de um tentar sempre dar um concerto melhor do que o outro. Para isso, em cada uma das datas, as bandas abriam o concerto de forma alternada. Ao longo de quase duas semanas, os dois grupos (Tigerman e os músicos mais os Linda Martini), partilharam assim não só o palco de nove pequenos clubes de Cascais, Braga, Viseu, Leiria, Porto, Coimbra, Alpedrinha, Évora e Torres Vedras, como todos os momentos de estrada, tal e qual como se apenas de uma banda se tratasse.
"É fundamental partilhar a estrada com outras bandas, mas às vezes nem sempre corre bem", alerta Furtado, lembrando um receio inicialmente presente, mas que acabou por não se concretizar. Muito pelo contrário. Segundo a ideia original da digressão, cada uma das bandas deveria apresentar o respetivo espetáculo, incluindo no alinhamento uma versão do oponente. Mas a crescente cumplicidade e empatia criada entre os músicos e equipas técnicas de ambos os grupos, cedo alterou os planos, com as bandas, noite após noite, a colaborarem cada vez mais.
"Houve um crescendo de cumplicidade, que também nos permite chegar agora ao Coliseu com tudo isto muito bem oleado. Não foi algo planeado, mas que aconteceu naturalmente, com o tempo, de uma forma espontânea e muito orgânica", salienta Paulo Furtado. "Isso só aconteceu porque nos demos todos bem na carrinha", interrompe Hélio Morais, baterista e vocalista dos Linda Martini, para quem "a dinâmica de estrada" é um dos fatores mais importantes na vida de uma banda. "Nos Linda Martini sabemos onde podemos ou não tocar, em termos de sensibilidade uns dos outros, mas neste caso e apesar de nos conhecermos quase todos, não havia qualquer experiência de estrada, o que pode ser uma coisa horrível". Mas não foi, corrige logo Pedro Geraldes, também guitarrista e vocalista dos Linda Martini: "O casamento não surgiu logo, mas à medida que a tour avançava o desejo de partilharmos mais músicas ia crescendo. Foram duas semanas muito intensas, em que nos tornámos uma espécie de família."
Está portanto alta, a expectativa dos músicos para este duelo final, marcado para amanhã, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, onde irão atuar num palco a 360º, tal como se fosse uma arena de boxe. "Todos os concertos foram muito bons, mas acredito que este vai ser aquele em que estamos mais bem preparados, também devido a todo esse trabalho conjunto que fomos fazendo nesta digressão", considera a baixista e também vocalista dos Linda Martini, Cláudia Guerreiro.
À medida que a última data se aproxima apertam também já as saudades, "uma certa nostalgia, tipo final de colónia de férias", como a caracteriza Hélio Morais e já levou Pedro Geraldes a trocar "mensagens quase chorosas" com os membros da banda adversária. Mas como no boxe há sempre a possibilidade de uma desforra, pode ser que este não seja o derradeiro duelo entre estes dois pesos pesados do rock nacional. "Acima de tudo ficou uma grande vontade, parte a parte, de voltarmos a estar juntos. Como? Não sei, poderá ser ao vivo ou num qualquer outro projeto, mas vai acontecer de certeza", garante Paulo Furtado.