Lisboa e Porto estudam a criação das primeiras salas de chuto do país

Bloco de Esquerda levou o assunto à Assembleia Municipal do Porto, que promoveu debate público. Lisboa pode avançar já com sala
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As salas de consumo assistido de drogas, previstas na lei há 15 anos, podem estar perto de se tornar uma realidade em Portugal. No Porto, seguindo uma proposta do Bloco de Esquerda, a assembleia municipal promoveu ontem à noite um debate público sobre as chamadas salas de chuto, do qual pode vir a resultar a criação de um grupo de trabalho, que estude o melhor modelo para a cidade. Já em Lisboa, a assembleia municipal recomendou, no mês passado, que a câmara avance com a instalação de uma sala de chuto o mais depressa possível. Não será na Mouraria, como já esteve previsto, mas na Alta de Lisboa.

Apesar dos progressos na evolução dos consumos, o deputado do Bloco José Soeiro diz que há 1600 pessoas que todos os dias consomem drogas injetáveis "em condições miseráveis" e a céu aberto no Porto, com uma elevada prevalência de hepatite C e HIV. Atendendo à experiência de mais de 80 cidades europeias, defende que estes espaços "permitem diminuir a prevalência de infeções e constituem uma porta de entrada na rede de cuidados de saúde". Por outro lado, assegura, não têm como consequência o aumento do tráfico nem dos consumos.

Para José Soeiro, a realização de um debate, envolvendo técnicos, investigadores, consumidores, decisores políticos e população em geral, "é o primeiro passo para a criação de um grupo de trabalho que possa chegar a uma proposta concreta do modelo que mais se adequa à cidade" do Porto.

Em Lisboa, a sala de consumo assistido prevista para a freguesia do Lumiar pode abrir ainda neste ano. É esta a convicção de Ricardo Robles, deputado municipal do Bloco, que apresentou uma recomendação à câmara municipal para que a abertura acontecesse o mais depressa possível. "Pressionámos para que fossem dados passos no imediato. É razoável que aconteça ainda neste ano, mas não temos garantias." Tendo em conta "os consumos significativos" e existindo "práticas europeias de sucesso, impõe-se atuar".

Destacando que o problema se estende a outras zonas da cidade, Ricardo Robles defende a instalação de salas de chuto em mais pontos, nomeadamente na zona oriental.

Segundo João Goulão, presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), o consumo de drogas injetáveis tem vindo a diminuir, devido à intervenção das equipas de rua, aos programas de substituição de opiáceos e de troca de seringas. "Já fui um entusiasta defensor da instalação destas salas, mas hoje tenho muito mais dúvidas. Tendo sido possível reduzir os consumos com outros dispositivos, não sei se será o mais adequado", disse ao DN, ressalvando, no entanto, que é importante que se debata o assunto com quem está no terreno.

As grandes cidades - Lisboa e Porto - "são as sedes dos grandes problemas", pelo que João Goulão admite que aí "pode fazer sentido que se avance". Além da "diminuição do consumo em condições degradantes e da transmissão de doenças", o presidente do SICAD realça que as salas têm como vantagem uma redução "das overdoses fatais". Contudo, podem dar um "sinal errado" acerca da evolução dos consumos.

Na Mouraria, lembra João Goulão, o projeto foi abandonado porque a população consumidora "parece bastante mais reduzida" e uma sala podia "constituir um polo de atração." Atualmente, "talvez haja zonas onde faz mais sentido".

A criação destes espaços é uma batalha antiga do GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos. O presidente, Luís Mendão, diz que os argumentos que têm sido usados para o adiamento são "populistas e demagógicos". Apesar de Portugal ter sido um país "muito progressista" na descriminalização do consumo, o representante afirma que "não se percebe como é que Lisboa, o Porto e Coimbra - onde existem grupos que consomem na rua com grande perigo para a sua saúde e para a segurança e a saúde dos outros - não têm salas de consumo assistido de estupefacientes".

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