LISBOA COMO MISÉRIA, DESOLAÇÃO E PIOLHEIRA
APlace du Luxembourg, mesmo nas traseiras do complexo de edifícios do Parlamento Europeu a que também dá acesso, é um local de passagem diária e obrigatória para centenas de deputados, milhares de funcionários, um sem-número de responsáveis políticos de elevado gabarito e de todas as nacionalidades, ministros, diplomatas, altos dignitários, comitivas, lobistas e tutti quanti, gente que fica alojada nos vários e bons hotéis das proximidades, mais os inúmeros cidadãos indiferenciados que por ali trabalham ou se apeiam ali na estação de caminho-de-ferro... É também um local de movida à "escala belga", com vários bares e restaurantes quase sempre cheios, muita gente nova e, por vezes, uma razoável animação nocturna.
Pois na Place du Luxembourg abriu em Dezembro, ao ar livre e circundando o jardim central, uma exposição de fotografias a preto e branco em suporte plastificado, sobre os terríveis problemas de habitação de uma parte dos 500 milhões de cidadãos europeus a quem falta uma casa com um mínimo de condições de dignidade, segundo a legenda de uma placa colocada a meio do circuito expositivo.
Essas fotografias pretendem documentar as chocantes condições de subsistência miserável e de alojamento degradado para muitos seres humanos na Europa. Até aqui, tudo bem.
Há 27 capitais europeias e em muitas delas há problemas idênticos e deploráveis. Não devem ser ignorados e dar-lhes solução é uma responsabilidade política e social. Poderia ser interessante sensibilizar as consciências com uma mostra desse tipo, muito embora orientada, muito embora superficial na sua discursividade miserabilista, muito embora várias imagens tanto possam ter sido captadas nos sítios indicados em rodapé como noutro sítio qualquer.
Mas o grave é que apenas foram expostas fotografias de Lisboa (12), Budapeste (15) e Bruxelas (nove)!!! Mais nenhuma grande metrópole, mais nenhuma capital, mais nenhuma cidade europeia foi contemplada nessas imagens, a pedirem meças ao Bangladesh, aos arredores de Bombaim e às favelas do Rio de Janeiro.
Nada garantia que os transeuntes dessem a volta ao recinto, de modo a verem que Lisboa não está sozinha ou, sequer, a compreenderem que aquilo tem a ver com bairros da lata e ghettos semelhantes. Quem passasse por um dos lados da Place du Luxembourg, sem tempo ou sem pachorra para dar a volta ao jardim, registaria só que Lisboa "é assim", sem mais explicações ou justificações.
Para Lisboa, mesmo à saída da nossa presidência da União, para Lisboa que deu o nome ao Tratado, para Lisboa que realizou uma série de importantes manifestações de prestígio em Bruxelas nos últimos seis meses, para Lisboa cuja área ligada ao vale do Tejo já atinge os 75% da convergência, para Lisboa cujas bidonvilles ficam, mesmo assim, muito aquém da dimensão e do aspecto chocante de várias outras, o enfoque não é propriamente prestigiante ou promocional.
O patrocínio da coisa foi assegurado pelo PSE, Partido Socialista Europeu, que assim pôs alegremente os palitos ao PSP, Partido Socialista Português, ao Governo socialista português, ao seu ministro da Economia, às suas políticas de promoção, de captação de investimento e de turismo, ao presidente socialista da Câmara de Lisboa, aos diplomatas e funcionários portugueses que ultimamente se esfalfaram para darem conta do recado...
O ministro Manuel Pinho tem-se empenhado em promover o País cá dentro e lá fora, com a campanha All Garve, com as fotografias patetas de Vic Muniz, com os tão gigantescos quanto inexpressivos outdoors da West Coast of Europe, decerto ainda com outras iniciativas, com que podemos concordar ou de que podemos discordar, mas que traduzem a intenção de pôr em destaque as excelências superlativas deste mimoso recanto à beira-mar plantado. Anda ele a gastar rios de dinheiro com essa catadupa de acções vistosas e agora fizeram-lhe uma destas...
Num jardim de Bruxelas e com o acrisolado patrocínio socialista, Lisboa foi apresentada, pura e simplesmente, como um lugar sinistro de miséria, desolação e piolheira.|