Lisboa, a lufada de ar fresco que se arrisca a ser sopro

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A 26 de setembro de 2022, completou-se 1 ano, 12 meses, 365 dias sobre a eleição do eng. Carlos Moedas para Presidente da CML.

Descontados os 100 dias da praxe do estado de graça - deseja-se que aproveitados pela sua equipa para tomar conhecimento, ainda que superficial, dos variados dossiers herdados, e assim diminuir a natural impreparação generalizada decorrente da inesperada, seguramente até para os próprios, vitória - é tempo da prova-dos-noves aos "Novos Tempos".

E se a lufada de ar fresco por que se esperava não se reduziu, afinal, a um tímido sopro, incapaz de abanar seja o que for.

Até agora assistimos a algumas medidas esporádicas, titubeantes até. Um pouco de cosmética social ali - passes gratuitos para jovens e velhos (qual o efeito prático na questão central da poluição atmosférica da cidade?) e congelamento de rendas no parque habitacional da Gebalis (a CML cobra efetivamente quantas rendas ao ano?) -, um "faz-que-faz" na mobilidade acolá - o ziguezague nas ciclovias, o regulamento das trotinetas, que começa torto - e anúncios propagandísticos pontuais, de que o exemplo mais risível terá sido: a "melhor Feira do Livro da História". Nada no que se refere ao essencial do "bloco central" da estrutura camarária herdada.

Daí que a prova-dos-nove mais urgente seja a do Património, não tanto do património municipal, mas do da cidade. Que é, como quem diz, a do Urbanismo, porque é neste que a salvaguarda ou a destruição daquele se decide; mas também a nebulosa onde se emite moeda, como teorizaria Friedman.

E no Urbanismo há dois "algarismos" imprescindíveis a uma conta que se deseja certa: a transparência e a reabilitação urbana. E nem uma, nem outra parecem ter sido sequer arejadas q.b.

A preocupação maior parece ter sido a de apressar as decisões quanto a pedidos de informação prévia e licenciamentos, uma medida muito útil, sem dúvida, para o "lado de lá". Só que do "lado de cá", a opacidade, voluntária ou não, permanece e não dá mostras de desaparecer.

Porque já são cada vez menos os projetos agendados para reunião de CML e por isso longe do crivo do público, só lá vão os que são obrigados a ir por lei. Também o novo software de gestão de correspondência na CML piorou a situação, pois fez desaparecer do site da autarquia toda e qualquer referência, via Gesturbe, aos projetos urbanísticos relativos ao edificado abrangido pela Carta Municipal do Património. Tudo continua a ser resolvido por despacho.

E continuamos à espera que sejam afixadas imagens virtuais nos edifícios que vão ser de alterações, ou nos locais onde se vai construir de raiz. Tudo como dantes.

Pior, nada mudou no que toca às más práticas acumuladas (15-20 anos) pela CML em incentivar a construção nova travestida de "reabilitação urbana" - que se traduz na destruição completa dos interiores dos edifícios -, o alinhamento de cérceas nos quarteirões, o esventramento do subsolo, o desrespeito pela Carta Municipal do Património, etc.

Além de que a CML continua a não saber (querer?) acabar com a especulação imobiliária, vejam-se os exemplos recentíssimos da escandalosa mudança de proprietário nos edifícios notabilíssimos do Patriarcado, Palácio Mendia, Corpus Christi, todos eles a merecerem, quiçá, a expropriação ou, no mínimo, a posse administrativa pela CML.

E se muito do acima referido é herança da vereação anterior, decorrendo há direitos para os promotores - o que faz com que negar-lhes agora o licenciamento significaria um rombo financeiro considerável no orçamento da CML, com indemnizações a "lesados" -, noutro tanto tudo depende da atual vereação, não havendo lugar a desculpas.

Provavelmente, há já um sem-número de projetos em "lista de espera" para despacho. Pedidos de audiência de promotores. Mas, para o cidadão interessado no destino da sua cidade, há um conjunto de projetos em que a CML tem de ter determinação e mostrar ao que vem:

Desde logo, a CML tem de chumbar a informação prévia da Estamo, que defende a destruição da Cerca Conventual do antigo Hospital Miguel Bombarda para se abrir uma rua e construir prédios de 6-7 andares em plena zona de proteção do Pavilhão de Segurança, classificado de Interesse Público.

Tal como tem de mandar para o lixo a tal de concessão feita pelo anterior Executivo a privados, sobre a Tapada das Necessidades. E anunciar publicamente, preto no branco, que se vai cingir à estrita execução do Plano de Salvaguarda daquele jardim sem igual.

Igualmente, a CML tem de se deixar de titubeações com o Metropolitano de Lisboa. Chega de atentados ao espaço público (Chiado, Rato, Rossio, etc.). Exige-se firmeza e combate ao atual projeto de extensão da Linha Vermelha. Que se combata a alteração radical de Alcântara, a intrusão irreversível na cidade consolidada e na paisagem, o estropiamento de um jardim com 80 árvores centenárias (Jardim da Parada) e de um monumento histórico (Baluarte do Livramento) classificado na Carta Municipal do Património, o beliscar das fundações do Palácio das Necessidades e do jardim-miradouro fronteiro. Há que corrigir o projeto e o traçado. A Linha Vermelha pode perfeitamente ser ampliada sem haver "disrupção irreversível" (sic) da cidade.

Há dias, houve um assomo de coragem e determinação: o Presidente da CML decidiu e bem, mas out of the blue, mandar retirar do Marquês todos os cartazes de propaganda e respetivas estruturas que ali têm permanecido há mais de uma década.

Os cidadãos e a cidade agradecem e muito. E que esse assomo se estenda a tudo o que acima foi dito.

Presidente Fórum Cidadania Lx - Associação

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