O cérebro é, provavelmente, a mais complexa estrutura do corpo humano e, por isso, muitos mitos têm sido criados sobre ele. No livro "Sete Lições e Meia sobre o Cérebro", a autora Lisa Feldman Barrett quer explicar alguns conceitos, mas principalmente dar às pessoas factos científicos interessantes que podem usar para impressionar os amigos durante um jantar.."Este livro não surge para ser uma jornada educacional sobre o que é um cérebro e também não é um manual de funcionamento do cérebro; é mais para destacar alguns temas sobre o cérebro que talvez as pessoas entendam mal, ou sobre os quais não tenham muito conhecimento, que eu acho muito interessantes e que incentivam as pessoas a pensar sobre quem são e como se comportam", disse a autora, em conversa com o DN..A neurocientista e professora de Psicologia na Universidade Northeastern, nos EUA, considera que escrever este livro foi das coisas mais desafiantes que fez até agora, pela diferença entre escrever para cientistas e escrever para o público em geral. O objetivo era escrever um conjunto de ensaios simples que pudessem ser lidos na praia ou nos transportes públicos. "Em escrita científica para cientistas não se deixa nada de fora, ou pelo menos não se deve deixar. Para o público, eles não precisam de saber todos os detalhes, mas para ser credível e verdadeiro tem de se saber o que precisa de ser dito e o que pode ficar de fora", explica Lisa Feldman Barrett, que se encontra entre a elite de 1% de cientistas mais citados no mundo..O livro aborda a questão da superioridade dos humanos sobre os animais e como isso acaba por não ser tão linear assim, pois tal como os humanos estão adaptados ao seu ambiente, também os outros animais estão adaptados ao seu. Lisa entende que alguns cientistas ainda resistem à ideia de essa não ser uma questão de superioridade mas sim de adaptação ao ambiente e considera que quando as pessoas se afastam e pensam um pouco sobre esta ideia, percebem que os animais fazem coisas realmente impressionantes, características que os humanos atribuem a super-heróis. Dá como exemplo as aranhas, que conseguem subir paredes, ou as formigas, que têm a capacidade de levantar ciquenta vezes o seu peso corporal.."Alguns cientistas ainda estão investidos na ideia de que a nossa maior capacidade como humanos é a linguagem ou a racionalidade. Eu penso que isso é verdade para o tipo de vida que nós vivemos. Ou seja, para o tipo de nicho que criámos para nós, estas coisas são muito impressionantes. No entanto os corvos, por exemplo, conseguem comunicar uns com os outros e mesmo ensinar coisas uns aos outros sem uma linguagem formal, e isso é bastante impressionante". A autora considera que compreender realmente este conceito pode ser a maneira de entendermos que "a racionalidade não é o nosso maior presente como espécie"..As metáforas são algumas das estratégias utilizadas neste livro para explicar tópicos complexos de forma simples, mas a cientista adverte contra o risco de se desvirtuar de alguma forma o real com uma excessiva metaforização. "O problema é que as metáforas estão sempre erradas de alguma forma. E a questão é perceber como é que elas estão erradas e que problema isso nos pode causar quando escolhemos uma má metáfora"..Aqui, Lisa Feldman Barrett considera muito útil a metáfora de que o nosso cérebro está a gerir um orçamento. Essencialmente "estão sempre a acontecer transações no nosso corpo, em que são gastos recursos mas também são adquiridos recursos, sendo que não temos consciência de que esse processo está a acontecer"..Muitos dos processos que ocorrem no nosso corpo "estão relacionados com o metabolismo", apesar de a autora fazer questão de reforçar que não reduz tudo o que acontece no corpo ao metabolismo, pois a teia é mais complexa ..Tudo o que puser pressão no processo de regulação de energia pelo cérebro pode torná-la menos eficiente. "Podemos pensar nisso como o pagamento de uma pequena taxa metabólica, e pequenas taxas metabólicas somam-se num défice. Este défice mostra-se em cansaço, exasutão e dificuldade de concentração e em aprender coisas novas, o que se pode tornar num problema realmente sério. Porque isso significa que o cérebro não se está a ajustar às suas previsões". As dificuldades económicas, a pandemia e agora a guerra na Ucrânia, são acontecimentos que trazem incerteza e que colocam uma pressão tremenda sobre este "orçamento" que o cérebro tem de gerir, fazendo com que as pessoas estejam constantemente exaustas. "Este é um risco de saúde pública e as pessoas não compreendem que estes sintomas não aparecem imediatamente, pode demorar até 20 anos para as doenças se revelarem, e isso é parte do problema"..Este livro não nos ensina tudo o que existe sobre o cérebro, mas "apresenta temas que permitem questionar a natureza humana"..sara.a.santos@dn.pt