Quase metade muçulmanos, um terço sérvios, muitos croatas, outros que se consideravam só jugoslavos. Foi este o resultado do último censos na Bósnia, em 1991, antes de se começarem a matar tendo como referência identitária a quem rezavam os avós. Todos eslavos, e todos falantes da mesma língua, uns eram croatas porque tinham cultura católica, outros sérvios porque eram ortodoxos, outros ainda passaram de eslavos islamizados a muçulmanos com um sentido étnico até cunharem a etiqueta "bosníacos". Por imposição da comunidade internacional, pararam há 20 anos com as limpezas étnicas e fingem pertencer ao mesmo país..Na Bósnia, a matança foi travada. No Kosovo também, embora cada vez lá vivam menos sérvios. À falta dos impérios ou das ditaduras que mantinham sob controlo os ódios entre comunidades, resta aceitar a separação que resultou das limpezas étnicas como mal menor para evitar a perpetuação das guerras. Soa mal? Como foi que Portugal se transformou num Estado-nação? Primeiro os reis expulsaram os mouros, depois os judeus e por fim reprimiram quem praticava as religiões proibidas ou importava novas. Espanha e França tentaram o mesmo objetivo de unidade, com resultado inferior..Balcãs e Médio Oriente são dois belos exemplos de como a derrocada dos impérios nem sempre produz o mesmo: o fim dos Habsburgos deu azo a múltiplos países na Europa central, nenhum verdadeiro Estado--nação. A Hungria porque um terço dos seus ficou fora das novas fronteiras, a Checoslováquia porque juntava dois povos eslavos e ainda húngaros e alemães, a Polónia porque sempre foi terra de muitos povos, a Jugoslávia porque além dos eslavos do Sul tinha albaneses e húngaros. Só depois da Segunda Guerra Mundial e até da Guerra Fria alguns Estados--nação ali emergiram, como a Polónia e a Eslovénia atuais; já o recuo dos otomanos deu origem a duas realidades distintas, com as ex-possessões balcânicas a transformarem-se em Estados mais ou menos homogéneos, depois das guerras entre Grécia e Bulgária e entre Grécia e Turquia, mas os do Médio Oriente a ficarem mosaicos, como a Síria..O caso da Grécia é revelador. Criada no início do século XIX, só estabilizou cem anos depois quando uma falhada conquista da Anatólia obrigou a uma troca de populações com a Turquia, que foi cega (critério religioso, ortodoxos por muçulmanos) mas garantiu que os dois países não voltassem a guerrear. Outras trocas de população foram mais sangrentas e não evitaram futuras guerras, como a de 1947 entre a Índia e o Paquistão (outra vez o critério religioso, agora hindus e sikhs por muçulmanos)..Voltemos à atualidade. Numa Europa Ocidental que se habituou a aceitar a diversidade por via da imigração (até quando?) e conta com o exemplo suíço de nação com vários povos, a barbárie dos anos 1990 nos Balcãs custou a entender, como hoje custa perceber a que assola a Síria. Mas o problema estava lá desde o fim dos tais impérios, só disfarçado pelos ditadores ou pela vigilância internacional, como a feita ao Líbano até 1975 e depois de 1990..Muçulmanos contra cristãos, sunitas versus xiitas, turcos contra curdos, curdos versus árabes, árabes contra judeus, tantos ódios velhos de séculos (dizem que os alauitas descendem dos cruzados, pelos olhos azuis e um islão heterodoxo). Ninguém defende trocas de populações para evitar as limpezas étnicas, mas umas e outras estão a acontecer hoje e a velocidade acelerada. E com tantas potências envolvidas, uma solução pragmática para travar as matanças vai ser ainda mais difícil do que na ex--Jugoslávia. Tornou-se tabu mexer em fronteiras.