Lídia Franco: "Ser ator em Portugal não é flor que se cheire"
Como preparou a sua personagem para a novela Rosa Fogo, que termina este fim de semana, em que interpreta uma mulher que sofre de Alzheimer?
Confesso que nunca tive contacto com alguém que sofresse desta doença terrível. Além da Internet, que é uma ferramenta preciosa que nos ajuda a pesquisar qualquer coisa, também tive a oportunidade de passar um dia na Associação Portuguesa de Alzheimer, onde tive uma verdadeira masterclass dada pela psicóloga que lá trabalha e passei várias horas junto dos doentes. Saí de rastos, a achar que esta é uma das piores doenças que se pode ter, mas para este meu trabalho foi precioso. Depois investiguei mais e, como se trata de uma novela... costumo dizer que novela faz-se em casa porque lá não há tempo para pensar, às vezes até é bom não pensar. Uma pessoa tem de estar completamente disponível.
Este trabalho afetou-a psicologicamente, uma vez que se trata de uma doença delicada?
Sim, absorveu-me como qualquer outra personagem. De qualquer modo, trata-se de uma novela, seria diferente se tivesse de fazer este papel no teatro, porque é tudo mais intenso e não existem cortes. Foi um trabalho exaustivo talvez, sobretudo, por se tratar de uma novela. Tive de gerir o ritmo louco que é fazer uma novela, em Portugal, ainda por cima com uma personagem com uma doença que tinha vários picos. Tão depressa estava lúcida como tinha crises, ataques violentos...
Foi elogiada pela Associação Portuguesa de Alzheimer, que acabou por se associar à novela...
Exatamente. Uma das coisas boas das novelas, e o Brasil, que é mestre nesta indústria, ensina-nos isso, é usar esse veículo para transmitir recados, ensinamentos, porque não dizê-lo? E a Associação de Alzheimer, ao ver esta novela e o meu trabalho, gostou muito, achou que estava a ser muito útil e a partir de determinada altura aliaram-se à produção da novela e houve até cenas que contaram com a participação da associação.
Esta doença assusta-a?
Sim, deve ser das piores doenças que se pode ter.
Ainda por cima tendo em conta que um ator trabalha com a memória...
É preciso ter boa memória para decorar os textos de uma personagem com Alzheimer.
Disse que nunca teve contacto com pessoas que sofressem de Alzheimer. O que aprendeu com este papel?
Penso que nunca tive contacto porque há pessoas que não sabem que têm a doença, nem os seus familiares ou amigos. Ao início, pensam que é por causa da idade que têm mais esquecimento, por isso é que penso que nunca tive contacto com pessoas com Alzheimer, mas se calhar até já tive. É claro que aprendi mais, um dos privilégios da nossa profissão é podermos viver várias vidas numa só vida que é a nossa. Neste caso, foi um exercício interessante como atriz por ser diferente.
Quando esteve na associação o que sentiu?
Senti-me aterrorizada, embevecida com o amor e dedicação com que essas pessoas são tratadas e... só de pensar nisso fico assustada. Hoje, creio que não há nada como a prevenção, fazê-lo o mais cedo possível. E todo o amor é pouco para rodear essas pessoas e também os seus familiares porque...
Sofrem imenso, não é?
Sofrem horrores, ficam completamente transtornadas. E as pessoas têm de continuar com a sua vida. Não são profissionais na área da saúde e do tratamento e, por isso, devem ir-se a baixo, precisam de muita ajuda a nível psicológico e na associação explicaram-me isso, porque têm de ter paciência de santo porque quem tem Alzheimer não tem culpa nenhuma. Mas é preciso ter vocação e amor para cuidar destes doentes porque, seja no que for, não há nada que pague fazermos o que gostamos. Não há comparação possível, mas ser ator em Portugal não é flor que se cheire.
Quando está na rua costuma ser abordada?
Quando estou na rua, o que é raro (risos), as pessoas costumam falar, são simpáticas, perguntam pelo Estêvão [Ângelo Rodrigues] e eu, como já terminei as gravações em fevereiro, às vezes confundo e acho que estão a perguntar pelo Esteves que é o meu marido na vida real. Mas não, é o Estêvão que faz de meu filho na novela e que é muito bonito, como eles dizem.
As gravações terminaram em fevereiro. Gostou do final da sua personagem?
Não. Gostava que a minha personagem tivesse sido mais desenvolvida, mas paciência. Como não sou eu que escrevo...
Mas acha que não foi dada a devida atenção a esta personagem?
Não, não. A partir de certa altura, não sei porquê - porque não tive contacto direto com quem escrevia mas imagino que tenham desenvolvido outros setores da história porque acontecem várias coisas ao mesmo tempo -, a Teresa ficou esquecida. Podia ter sido mais desenvolvida. Aliás, as pessoas na rua falam-me disso, ficam espantadas como é que havia uma evolução no meu papel que de repente para. Estava à espera que fosse desenvolvida a doença, não é?
Não chegou a falar com a Patrícia Müller?
Não, não.
Nem procurou ter esse contacto?
Não, não há tempo. Parto do princípio de que se foi assim é porque assim o quiseram.
Mas ficou triste?
De certa forma, porque um ator quanto mais for desafiado melhor. Mas pronto...
"Não ganho tanto como os manequins que trabalham em televisão"
Este foi um trabalho mais ligado ao drama. Tem saudades de comédia?
Sim, sobretudo porque em teatro, ultimamente, só tenho feito drama. Por um lado, também é muito enriquecedor, mas é mais difícil encontrar uma boa comédia para fazer e é mais difícil fazer bem feito. Refiro-me a humor inteligente, como dizia o mestre Almada Negreiros "não há nada mais sério do que o humor". Mas é o meu sonho, agora, encontrar uma boa comédia, mas com a crise tem de ser com o mínimo de atores, com o mínimo de cenários, para ver se continuo em digressão pelo País como tenho feito. Levar bom trabalho a lugares mais distantes dos centros urbanos, com menos possibilidades e que merecem que lhes demos bons trabalhos.
O que é mais difícil, drama ou comédia?
É mais ou menos a mesma coisa porque a base é sempre a mesma, a representação.
Para si o que é ser atriz?
É a minha vida, não poderia viver sem ser atriz. É a minha forma de crescer pessoalmente e de entrega aos outros.
Mas disse que essa profissão, em Portugal, não é assim tão fácil...
Mas é o que há (risos). Até sou bilingue [francês-português], mas como optei por viver em Portugal... Comecei por ser bailarina e isso, sim, é uma linguagem internacional, mas o trabalho de ator passa pela fala, pela língua mãe. Poderia ter optado por França, mas por razões pessoais fiquei em Portugal e não tenho de que me queixar.
Quando diz que ser ator, em Portugal, não é flor que se cheire, o que quer dizer?
O que toda a gente sabe. Como dizia o Mário Viegas: "Nasci em Portugal, estou feito" (risos). Tudo é complicadinho da silva em Portugal. Por causa da crise, dizem que é normal cortar no que se considera supérfluo. E o mais supérfluo é a cultura, a arte. Por isso é que o país é o que é. O que não é supérfluo em Portugal é o futebol. Se tenho alguma coisa contra o futebol? Não, eles não têm culpa. O que tenho contra é o futebol ser uma das coisas mais importantes em detrimento de tudo o resto.
O Ministério da Cultura, aliás, não existe neste governo, foi relegado a uma Secretaria. Acha que não há espaço para a cultura em Portugal?
Um país não pode ser país se não houver cultura, portanto... Mas sempre foi assim. Não é por acaso que temos o desenvolvimento que temos. O que havia já era tão pouco que agora desapareceu completamente.
O que acha da nova geração de atores?
Não posso generalizar, não os conheço todos.
Mas aqueles com quem tem trabalhado...
Como sempre, há jovens talentosos, mas que não estão para trabalhar, não estão para estudar, então vão ficar sempre ali, não vão progredir como atores. Há outros com pouco talento mas que gostam tanto e trabalham tanto, estudam tanto, esses, sim, vão para a frente.
Acha que hoje dá-se mais valor à beleza em detrimento do talento no pequeno ecrã?
Não é só na televisão, é por isso que o mundo está como está. Pode dizer-se que há uma grande desumanização porque se trocou o ter pelo ser. E o que é o ter?
Mas isso entristece-a enquanto amante da arte?
Costumo dizer: tirem-me tudo menos a lucidez e o sentido de humor. Não tenho de me entristecer, é um facto. Adoro viver, a minha arte é a forma de estar com os outros e nunca vou desistir disso. De observar os que me rodeiam, que é uma das grandes tarefas do ator, etc.
Existe lugar para as pessoas mais velhas?
Tenho visto jovens a fazerem de avós de outros que têm praticamente a mesma idade. E perde-se a credibilidade toda. No Brasil, por exemplo, vemos atores com idade de serem avós a fazer efetivamente de avós, e isso é mais verosímil. Existe mais respeito pela arte, pelo trabalho.
E aqui, isso não acontece?
Não vejo muito.
Mas porque é que isso acontece se há tantos atores mais velhos?
Não me pergunte isso a mim. Não tenho qualquer poder, sou apenas atriz. Mas como espectadora não acredito no que vejo e mudo de canal.
Não tem contrato com nenhuma estação?
Não, nunca tive.
Mas alguma vez lhe foi proposto?
Não, nunca me chegou a ser proposto um contrato de exclusividade.
Gostava de vir a ter contrato de exclusividade?
Não. Quer dizer, nunca se sabe. Como nunca tive, não faço ideia em que moldes é que são feitos esses contratos.
Então vive como a maior parte dos atores em Portugal?
Claro, espero que finalmente haja uma mudança. Mas toda a minha vida vivi com recibos verdes.
Como se planeia uma vida sem segurança?
Justamente por isso, quando temos um trabalho em televisão aproveitamos, porque não se ganha mal. Mas não ganhamos tanto como os manequins que trabalham em televisão a fazer de conta que são atores. Nós ganhamos infinitamente menos do que eles, mas é aí que podemos juntar algum dinheiro para as alturas em que não temos trabalho, o que também é bom porque podemos fazer uma reciclagem.
Mas teve de abdicar de algumas coisas?
Nunca quis comprar casa precisamente por isso. Não sabia o dia de amanhã, podia estar com um ótimo ordenado e no ano seguinte não ter nada. Por isso nunca comprei casa nem percebi essa obrigação de ter de se comprar casa. Comprar casa para dizer que é do banco? Não. Isso nunca me passou pela cabeça.
Mas os manequins que andam na televisão, como afirmou, alguns deles têm contrato...
Pois, não sei... alguns tornaram-se bons atores porque têm talento, descobriram o gosto e porque têm trabalhado, investem na formação cultural, porque a bagagem de um ator é tudo isso. Mas há outros que não, que continuarão sempre a ser manequins. Sei que existe essa disparidade de cachês, mas pormenores não sei nem quero saber.
Sente mágoa por haver essa disparidade de cachês entre atores que começaram a carreira há poucos anos e atores veteranos?
Não me magoa, é a realidade. É mais uma injustiça...
Os anos de serviço de um ator não contam, então?
Neste meio não conta... ou conta pouco.
"Passei por todo o tipo de privações"
Passou por dificuldades quando era mais nova?
Enfrentei as maiores dificuldades quando se tem um sonho e se batalha para isso. Mas não há nada que pague isso.
Pode ser mais específica?
Passei pelas maiores dificuldades que se possa imaginar.
Como não saber se tinha dinheiro para comer?
Não ter mesmo o que comer. Na minha juventude, os meus pais eram muito ricos, mas quando me tornei independente, aí sim, havia crise. As pessoas hoje não sabem o que isso é. Felizmente, ainda há vários pontos de abrigo, mas naquele tempo não havia nada. Mas não gosto de fazer de desgraçadinha e digo apenas que passei por todo o tipo de privações a sério, não aquelas por que se passa agora.
Tudo por um sonho?
Claro. Nunca me passou pela cabeça ser a melhor, quero é dar o meu melhor.
No entanto, disse que cresceu numa família abastada...
Pois, mas nessa altura estava afastada dos meus pais e não podia recorrer a eles.
E eram outros tempos. Hoje, os filhos ficam em casa dos pais até tarde...
Mas o meu filho que é o grande cientista Miguel Soares teve de estudar fora porque cá era por médias, outro crime que se faz em Portugal, e perdia-se um grande cientista. Ele foi viver sozinho, aos 16 anos, e eu também saí de casa dos meus pais tinha uns 20, o que na altura era uma revolução. Senão, não aprendemos o que é a vida. Emancipei-me e não pude recorrer a eles e daí ter passado o pior que se possa imaginar. Fiz tudo para sobreviver. Tudo o que era trabalho honesto eu fiz. Desde limpar o chão... E tinha um grande orgulho nisso.
Eram tempos complicados...
Não havia mesmo nada, não é como agora. As pessoas julgavam que tinham casa mas não tinham, era do banco. Sobreendividaram-se...
"O valor que recebo de reforma não é justo"
Aos 68 anos, Lídia continua a trabalhar. Considera-se workaholic?
Um bocadinho, sim. Porque gosto muito de viver. Gosto muito de férias, mas já tenho recusado trabalho, muitas vezes. Mas cada vez menos nos podemos dar a esse luxo, é a crise. Antigamente, ia de férias e recusava as propostas que apareciam. As férias eram sagradas. Agora pensa-se duas vezes, ou três. Embora no meu caso o trabalho não seja bem um trabalho. É uma forma de vida.
Já lhe passou pela cabeça pôr um ponto final na carreira?
Não, de todo. Quero continuar a aprender, a estudar, a praticar, a descobrir...
É isso que a faz sentir viva?
A mim é.
A Lídia já se reformou?
Sim, já.
O valor que recebe de reforma é justo?
Não, mas tive o cuidado de descontar. Não nos podemos só queixar e querer direitos sem termos deveres. Compreendo que algumas pessoas não possam descontar porque ganham pouquíssimo. Mas quando descobri que havia companhias de teatro onde eu tinha trabalhado e deixado os meus descontos que não tinham entregue esses valores à Segurança Social fiquei aterrorizada. Então, aproveitei uma altura em que estava com mais trabalho e a ganhar mais para pôr esse dinheiro na Segurança Social. Atingi um determinado escalão e depois, em períodos de pouco ou nenhum trabalho, não o pude baixar. Estava a pagar o máximo para a Segurança Social. E pedi a reforma antecipada, há uns anos. Mas é evidente que recebo pouquíssimo. Agora já se pode fazer o que eu não pude - quando se tem mais dinheiro, pode descontar-se mais e quando se tem menos desconta-se menos.
Então teve o cuidado de preparar o seu futuro?
Preparar minimamente, tenho uma reformazita.
Mas conseguiria sobreviver só da reforma?
Não, não dá para sobreviver. Para sobreviver se calhar dá, se deixar de andar de carro e voltar a andar de autocarro... mas não me dá muito jeito porque me dói as costas e também porque as pessoas conhecem-me e depois perguntam-me: "Dona Teresa, está melhor do seu Alzheimer". É evidente que daria para sobreviver, penso eu, vendia aí uma coisinhas.
Mas não podia ter a vida que tem hoje, é isso?
Com certeza. Mas não morreria, porque já tive a experiência que tive anteriormente. Comecei a descobrir o que valia a pena e o que era supérfluo.
"A coisa que mais adorava era ser avó"
O seu filho, Miguel, é cientista e ganhou recentemente mais um prémio. Ele é o seu grande orgulho?
Ai, sim. Desde sempre que ele me conta as coisas mais extraordinárias que faz e acho sempre tudo normal. Há uns tempos, disse-me: "Ó mãe, achas sempre tudo normal?" Respondi: "Acho." (risos) "Em ti acho tudo normal."
Em criança já notava que ele tinha uma aptidão especial?
Ele sempre foi muito inteligente, com sentido de humor e um grande comunicador. Tinha um enorme talento para tirar fotografias. Quando fez o 12.º ano, a Ciências teve média de 13 porque tinha 19 a Biologia mas menos nas outras disciplinas e a média desceu, não pôde entrar na faculdade porque, nesse ano, a média era de 16. Ele foi sozinho para fora, não conhecia ninguém, foi para a Bélgica.
Que foi o país onde ele nasceu?
Sim. Ele chegou lá e telefonou-me a pedir a minha opinião porque estava dividido entre o curso de Biologia e Fotografia. Tive o bom senso de ser verdadeira e não lhe disse que era mais seguro ir para Biologia, disse-lhe a verdade. Era a vida dele, e ele tinha de sentir o que queria mesmo fazer. E escolheu Biologia. Doutorou-se aos 25 anos com 20 valores e foi sempre bom aluno, teve sempre bolsa de estudo, só no primeiro ano é que trabalhou, para ajudar a pagar os estudos. Depois foi convidado para trabalhar num dos laboratórios mais importantes, em Harvard, onde esteve dez anos, depois resolveu regressar para a terrinha e está muito contente na Gulbenkian. Passa a vida a dar aulas, a viajar, a dar conferência... ultrapassa-me: "Pensar que saiu de dentro de mim" (risos).
É uma mãe babada...
Sim. Os pais preocupam-se sempre, mas o que queria era que ele fosse feliz e fizesse aquilo com que se sentisse realizado. E acho que ele é tão bom justamente porque não é só cientista. Interessa-se muito por arte, pela cultura. Ele é bom cientista por ser tão bom humanamente, culturalmente.
E como é o Miguel como filho?
É o meu filho. Ainda por cima sendo filho único... é o meu bebé. Tenho imensa dificuldade de o ver como um homem de 44 anos. Porque tenho colegas muito mais novos que não sinto a idade, mas o meu filho vejo-o sempre como um bebé. Acho que é normal. Mas se não for, é assim mesmo.
Ele faz questão de acompanhar o seu trabalho?
Sim, sim. Desde que regressou a Portugal tem visto as peças que tenho feito e a opinião dele, para mim, é muito importante, porque ele é muito sincero. Ele tem gostado.
Já é avó?
Não, não... mas também com esta vida que ele tem. Mas tenho esperança, a coisa que mais adorava era ser avó.
Mas já lhe pediu um netinho?
Não, se pedir é pior (risos).
"Ainda estou a descobrir-me"
No mundo artístico, sentem-se invejas?
Sim, mas tento não ouvir essas coisas porque são venenos que não se entranham em nós. Mas é uma característica muito portuguesinha, haverá menos num certo nível de verdadeiros artistas, porque isso corrompe a alma e o nível artístico do artista.
E a nível pessoal, sentiu?
Sim, claro, mas tento afastar-me dessas coisas. Já me aconteceram coisas terríveis, mas sinceramente não me lembro, porque sem querer tenho memória seletiva. Não me lembro mesmo nem quero lembrar.
Também foi bailarina. O que sente quando recorda esses tempos?
Sinto pena de ter de me refrear quando me apetece tanto dançar, porque os bailarinos são como os atletas de alta competição, ficam com o corpo cheio de problemas, de ossos, coluna, etc. De maneira que tenho de ter muito cuidado com estas mazelas. Às vezes tenho vontade de saltar, mas não posso.
Porque trocou o ballet pela representação?
Foram várias coisas, aspetos pessoais, estive vários meses imobilizada com um problema na coluna que coincidiu com o meu regresso a Portugal com o meu filho. E como um bailarino não pode parar, o tempo foi passando e pronto. Como sempre gostei de teatro, o meu caminho foi por aí.
Nos seus espetáculos costuma ter sala cheia?
Sim, acho que é com muito trabalho que se consegue isso. Posso dizer que no meu caso é mesmo só trabalho. Agora, estou em digressão com um monólogo maravilhoso, Óscar e a Senhora Cor-de-Rosa, que estreei, em 2008, no Teatro Nacional Dona Maria II, não parei de andar com ele pelo país, sempre com salas cheias, porque é uma peça maravilhosa, parece que não faço mal, e essa é a base do teatro. Um texto e o veículo através do qual ele é passado para o público que são os atores. Tudo o resto acho que deve fazer parte, cenários, figurinos. Mas vamos supor que não pode haver mais nada. Havendo público já há teatro.
Reconhece que o facto de ser uma atriz de televisão ajuda a que tenha mais público?
Penso que sim. Se as pessoas me fossem ver por ser conhecida e não gostassem, estava a fazer um mau serviço, para eles e sobretudo para o teatro. Mas se forem ver por ser da televisão mas gostem é bom, porque vão dizer aos amigos e às vezes até voltam.
Teatro e televisão, qual deles a preenche mais?
O teatro é a arte do ator. A televisão não é uma arte, é uma indústria, onde às vezes se consegue colocar um bocadinho de arte. Sobretudo se tiver possibilidade de fazer uma série ou um telefilme, que é feito com um bocadinho mais de tempo e cuidado. A telenovela é o que há, gosto de fazer e preciso de fazer, porque em Portugal é o nosso ganha pão. Para fazer teatro temos de pagar para o fazer. Mas como não podemos viver sem teatro, fazer televisão é imprescindível. Infelizmente, cinema praticamente não há, antigamente fazia muitos filmes estrangeiros porque havia coproduções, mas abandonaram Portugal porque foram para os países do Leste, que oferecem mais vantagens. E como dou aulas de Teatro, tem sido esta a minha vida.
Como tem corrido essa experiência de ser professora?
Nunca quis dar aulas, tinha terror de o fazer porque não há maior responsabilidade do que dar aulas. E uma das coisas que pensava que não tinha, porque não fui treinada para isso, é psicologia própria que um professor tem de ter. Mas parece que tenho (risos). Os meus alunos gostam das minhas aulas. Já dei aulas na minha junta de freguesia, no Porto, na escola Vocare.
E também aprende com os seus alunos?
Imenso. Tal como se aprende quando se tem filhos. É maravilhoso ver os progressos que fazem à nossa frente. Mas não penso que terá futuro, vejo-me, sim, a aceitar um novo desafio que é ser encenadora. Porque adoro atores e acho que tenho talento para os dirigir.
Aos 68 anos, quem é Lídia Franco?
Estou a descobrir-me, passamos a vida a descobrir a criança que fomos. Porque a nossa essência está lá, só que começam a moldar-nos a dizer: "Faz isto, faz aquilo." Depois, levamos o resto da vida a tentar tirar essas coisas todas para voltarmos à nossa essência. Por isso é que precisávamos de uma outra vida para a começar já a saber isso.
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