Líderes europeus reafirmam união em Roma já sem o Reino Unido

Declaração a sair da cimeira que hoje assinala os 60 anos do Tratado de Roma será feita já num contexto de pós-brexit
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Uma Europa mais segura, mais próspera e sustentável, mais social e mais forte como ator global. Será esta a União Europeia que os líderes europeus defenderão hoje na declaração que sairá da cimeira de Roma, em Itália, destinada a assinalar o aniversário do tratado que há 60 anos criou a então CEE. Uma demonstração de união, numa altura em que desafios como populismo, nacionalismo, crise económica, migrações ou terrorismo ameaçam fazer os países virarem-se para o seu interior e fazer ruir algumas das conquistas da construção europeia. E que acontecerá já sem a presença da primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, que na quarta-feira irá acionar formalmente o pedido para os britânicos saírem da UE (em resultado da vitória do brexit no referendo de 23 de junho do ano passado).

"Nós, os líderes dos 27 Estados membros e das instituições da UE, orgulhamo-nos das conquistas da União Europeia: a construção da unidade europeia é algo ousado e visionário. 60 anos depois, recuperados das tragédias de duas guerras mundiais, decidimos ligar-nos uns aos outros e reconstruir o nosso continente das cinzas. Construímos uma União única com instituições comuns, valores fortes, uma comunidade de paz, liberdade, democracia, direitos humanos, Estado de direito, uma potência económica sem níveis comparáveis de proteção social. A unidade europeia começou com o sonho de alguns e tornou-se uma esperança para muitos. Então, a Europa tornou-se de novo uma só. Hoje, estamos unidos e mais fortes", lê-se no projeto de declaração, que carece ainda do aval da Grécia. "A nossa União não está desunida e é indivisível", reafirma o texto, apesar de conhecidas e noticiadas que têm sido as várias divisões entre os vários Estados membros sobre os mais variados temas ao longo dos últimos anos. Repartição de migrantes e refugiados, políticas de austeridade e programas de resgate são apenas alguns deles.

Daí as reticências gregas. O governo de Alexis Tsipras, cujo país já vai no terceiro resgate desde 2010, quer o apoio dos parceiros da UE face às exigências de um dos credores, o FMI, no que toca às reformas laborais. "Tencionamos apoiar a declaração de Roma, que aponta para a direção certa. Porém, para podermos celebrar estas conquistas, tem de ficar claro, a nível oficial, se também se aplicam à Grécia. Por outras palavras, se o acordo europeu é válido para todos os Estados membros sem exceção ou se o é para todos exceto para a Grécia", disse ontem o primeiro-ministro grego antes de ir para Roma.

A Polónia também tinha exigências que se prendiam com a inclusão na declaração de referências à cooperação com a NATO e com a questão da valorização do papel dos parlamentos nacionais. Algo que está contido no último dos quatro pontos que, no texto, servem de mote à Agenda de Roma. "Queremos uma Europa de Estados-nação livres e iguais", declarou ontem o presidente polaco. Andrzej Duda, à Reuters, esclareceu que o seu país mantém o compromisso com a UE, apesar das divergências. A última foi a que levou ao isolamento de Varsóvia na reeleição de Donald Tusk como presidente do Conselho Europeu. Apesar de ser polaco, Tusk não teve o apoio do governo do seu país (dominado pelo partido conservador liderado por Jaroslaw Kaczynski).

"Ter-se chegado a este texto mostra um grande esforço e um consenso para ultrapassar a posição minimalista de partida. Esta declaração dá pistas fundamentais para o futuro da UE. A destacar ainda a consolidação da união económica e monetária, pela qual Portugal se tem batido, bem como a necessidade de promover a igualdade entre homens e mulheres", disse ao DN fonte do governo português. Sobre a Europa a várias velocidades, que a declaração admite, a mesma fonte lembra que "Portugal gostava que todos os países avançassem ao mesmo ritmo. Para nós é condição para a Europa a várias velocidades que cada país possa entrar numa cooperação reforçada quando estiver em condições para o fazer e que essa Europa a várias velocidades não ponha em causa a unidade da UE".

Exemplos dessa Europa a várias velocidades são já o espaço Schengen e a zona euro. No futuro poderia surgir uma cooperação reforçada na área da Defesa. Sobre isso o projeto de declaração diz: "Atuaremos em conjunto, a diferente ritmo e intensidade, onde for preciso, enquanto caminhamos na mesma direção, como fizemos no passado, em linha com o que está nos tratados e deixando a porta aberta para quem quiser entrar mais tarde."

Para Paulo de Almeida Sande, ex-diretor do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, "a Europa a duas velocidades é um caminho que está aqui assumido nesta declaração, que é uma declaração já num contexto pós-brexit. É um texto que tenta tocar no essencial, o fundamental está lá, subsidiariedade e solidariedade vão a par uma da outra. É uma declaração genérica, não um programa, mas toca nos quatro pontos essenciais para a Europa."

No entender de Bernardo Pires de Lima, investigador universitário, "esta será uma declaração para reforçar a defesa dos valores europeus como a liberdade, o livre comércio, a democracia, a garantia da coesão entre Estados, mesmo quando um deles quer sair". O texto servirá ainda, acrescenta, "para constatar dificuldades. Mas não apontar caminhos concretos". Depois do brexit e dos resultados eleitorais em França e na Alemanha "se verá como é que as várias velocidades funcionarão e a que ritmo". Para Viriato Soromenho-Marques, professor universitário, "os povos europeus convergem, mas por medo uns dos outros. A nível político há uma paralisia conjuntural. Há uma grande incerteza. Esta celebração exige um consenso em relação ao pântano em que o processo de integração europeia se encontra atualmente".

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