Líder do Chega desafia Albuquerque a provar a "origem da riqueza" pessoal

Ventura estranha o silêncio do presidente do Governo Regional da Madeira e quer explicações. Pede também ao PSD que esclareça as suspeitas de "corrupção" na "administração central e local" madeirense.
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O mercado está vazio. Poucas são as pessoas nas esplanadas no largo em frente. Está calor, um sol forte. São quase três da tarde. Um carro de propaganda do PSD chega e das colunas sai o refrão repetido, cantado: "Miguel Albuquerque a nosso Presidente". Arranca segundos depois, vira à esquerda e afasta-se da entrada do mercado municipal da Ribeira Brava.

"Lá estão eles a provocar", diz alguém que procura sombra junto ao Forte de São Bento, uma pequena fortaleza, nesta tarde de segunda-feira. Mais adiante, quase junto ao busto do Visconde de Herédia, o visconde da Ribeira Brava, pára outro carro. Saem Miguel Castro, líder do Chega na Madeira, e uns quantos apoiantes. Por eles passa o carro de propaganda do Chega.

Todos os homens estão de fato. Nem todos trazem gravata. Instantes depois chegam Pedro Pinto, líder parlamentar, Rita Matias, Rui Paulo Sousa e outros dirigentes. André Ventura chegaria logo a seguir. Não são mais de 20.

Não há bandeiras, nem música, nem o habitual magote de propaganda para distribuir. Há dois sacos com material de campanha e os flyers que seriam a preocupação final na fotografia de grupo - "mostrem os flyers" - frente à pequena fortaleza que é hoje um posto de turismo.

Mas há uma diferença - muitos jornalistas. Ventura cumprimenta os seus apoiantes e prepara a declaração do dia. É-lhe colocado um microfone de lapela. "Gravamos sempre as declarações e publicamos [nas redes sociais do partido] porque nem sempre passam nos telejornais", dizem-me.

Em pouco mais de cinco minutos, o líder do Chega fala de uma entrada "muito significativa" no parlamento regional, elogia o trabalho de Miguel Castro, diz querer ser a "terceira força política" na Madeira, usa muitas vezes a palavra "player", garante que não se incomoda - é até "bom sinal", diz - que nenhum partido queira estar com o Chega, e espera que Miguel Albuquerque seja coerente e que se o PSD [Ventura ignora o CDS] não tiver a maioria "tenha a decência" de sair e permitir que "outros" governem de forma diferente.

Também não esqueceu as "inaugurações" e "visitas" do Presidente do Governo Regional que são, sublinha, uma "flagrante violação, uma constante violação dos deveres de neutralidade (...), uma violação grosseira da lei". "Se nada acontecer", não lhe parecem suficientes as "advertências" da CNE, pois "isto vai continuar até ao fim da campanha".

Terminadas as declarações, a caminho do mercado, fica uns minutos, poucos, à conversa com um grupo de seis homens que, à sombra, jogava às cartas com um baralho do PS. "Ainda não temos disto. Quando tivermos jogam com as nossas" - vai olhando para Pedro Pinto - "e queimam estas". Numa das paredes da pérgula há uma bandeira do CDS pendurada.

O mercado continua vazio. Somente duas pessoas. Uma inglesa em passo acelerado e um madeirense que, curioso, olha para a comitiva. A volta ao piso térreo é breve. O espaço é pequeno. Todos os passos de Ventura são seguidos, de perto, pelo segurança que não passa despercebido.

"É ele, é ele", diz a mulher que tinha entrado naquele instante. E grita. "Ai, é ele". Larga o que trazia, uns pequenos sacos e a carteira, em cima de uma bancada de fruta, e corre para André Ventura que sorri. Mas nota-se o incómodo causado pela exuberância da mulher que lhe dá beijos, abraços, o despenteia e até lhe aperta as bochechas.

Ali perto, a menos de cinco, seis metros, o segurança olha espantado. Rui Paulo Sousa, que está ao lado de Ventura, diz-lhe de lá: "Foste apanhado". E ri-se.

Ao fundo, do lado direito, há umas escadas. A comitiva sobe. O vazio continua. Na esplanada está um grupo de quatro mulheres e dois homens, gente "já reformada". Há um sotaque do norte. E é para aí que Ventura se dirige. O "é ele" repete-se. Uma das mulheres, num tom de voz muito agudo, avisa que é PS, mas com "todo o respeito". "E nós a vocês", responde o líder do Chega.

O grupo desce e encaminha-se para a arruada. Saem, viram à esquerda e começam a subir a rua. Não há quase ninguém. De vez em quando lá passa uma pessoa ou outra. Num café, metros acima, do lado esquerdo, está um homem sentado numa esplanada interior, mesa cheia de papéis. Ventura pára e cumprimenta. E segue.

Volto atrás e pergunto ao presidente da Câmara da Ribeira Brava, Ricardo Nascimento, que está de t-shirt e a transpirar do rosto - "é do calor, desculpe", afirma -, se o líder do Chega sabia com quem tinha estado a falar.

"Não... mas desejei-lhe as boas vindas ao município. Somos todos democratas", diz, rindo, o homem que liderou o movimento "Ribeira Brava Primeiro" apoiado por PSD e CDS. E depois elogia a sua governação e a de Albuquerque. Fala em "parceria".

O carro de propaganda do PSD volta a aparecer, mas desta vez não pára. "Lá estão eles", alguém diz. A comitiva, que tinha virado à esquerda, de regresso ao largo frente ao mercado, continua por ruas vazias. Aqui e ali lá encontram alguém. Já quase não há jornalistas. A maior parte saiu logo após a curta visita ao mercado.

Sentamo-nos numa esplanada perto do busto do Visconde de Herédia. Ventura, que no domingo tinha tido "uma visão" por causa do elevado número de indecisos [mais de 30%], diz-me que o "ziguezague de Albuquerque" [sobre entendimentos com o Chega] foi provocado "por um puxão de orelhas do PSD nacional" que o mandou "mudar" o discurso. E isso, acredita, porque o seu partido pode eleger "entre três, quatro ou cinco deputados".

E se "Miguel Albuquerque é um dos políticos mais ricos do país à custa dos madeirenses" [acusação do líder do PS-M], André Ventura desafia o presidente do Governo Regional "a explicar a origem da riqueza" que pensa ser "um facto". "Estranho que Albuquerque não explique a origem da riqueza. Desafio-o a explicar", diz. Precisa de provar? Diz-me que sim.

Sendo assim, questiono, também tem que provar a acusação de corrupção que tem nos cartazes, vai fazê-lo? André Ventura sustenta que "há suspeitas graves de contratações na Madeira a nível da administração central e local, a nível dos vários ajustes" em "relatórios do Tribunal de Contas e outras entidades". O PSD, diz, tem que explicar "isto".

Relevante, diz, é que "a corrupção também se vê no nível de perseguição de quem denuncia [referência ao antigo governante madeirense e deputado no parlamento nacional Sérgio Marques que falou das "obras inventadas" no arquipélago] e que é completamente afastado e silenciado".

Em 2019, o Chega obteve 619 votos. Agora, as sondagens apontam para a eleição de um ou mais deputados.Ventura acredita ser possível eleger cinco.

artur.cassiano@dn.pt

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