Lições de isolamento no mar. E a curvatura da Terra
No mar estamos longe de tudo e de todos. Ali não há internet nem redes sociais. Não há notificações nem conversas no chat. Os dias passam devagar - à velocidade do vento. E apesar de contar pelos dedos as vezes em que fiz travessias à vela, serviram-me para aprender algumas lições de vida. Acima de tudo, aprendi a encarar cada dia de outra forma e também a dar mais valor a simples rotinas.
À partida, achamos todos que estamos preparados para nos desligarmos do mundo com um estalar dos dedos. Eu também achei. Aliás, convenci-me sempre que «da próxima vez já estarei habituado». Mas numa altura em que o confinamento continua a manter-nos em casa, em que não podemos estar com a família e com os amigos, recordo-me das experiências de isolamento extremo com algum desconforto à mistura.
Ninguém me obrigou e eu adorei todas as navegações, mas é certo que ficaram marcadas por momentos de solidão, saudade, ansiedade. Custa passarmos da habitual total conexão para um outro mundo. No mar não há notícias e muito menos concertos em direto ou videochamadas em grupo. A noite custa dias a passar. Mete respeito olharmos à volta e não vermos nada. Somos só mais um ponto de luz entre os milhões que nos observam lá de cima. O vento frio corta-nos a cara, os salpicos mantêm-nos acordados - quando não são baldes. Dormimos uns turnos que sabem a cinco minutos. Tanto faz se é hora para beber leite ou cerveja. Às onze da manhã o dia já vai longo. O almoço é quando há fome para petiscar, mas é preciso gerir a despensa. Não vale de nada tentar apressar o ponteiro do relógio. E quando tudo o que temos à volta é um horizonte «infinito», há tanto espaço que quase notamos a curvatura da Terra.
Nessa altura começam os pensamentos sobre o sentido da vida, quem somos e onde estamos. Por vezes, temos a sensação de que continuamos no mesmo sítio: olhamos à volta e o ponto mais longe está todo à mesma distância.
Mas à medida que nos aproximamos de terra, os pontos visíveis são ainda ligeiros relevos sem cor. Sem definição. E percebemos que, graças à curvatura, ainda só avistamos o topo de algo muito distante. São sinais de esperança, mas estamos sempre mais longe do que parece. E é quando pensamos que nunca mais iremos dizer: "o mundo é tão pequeno". Então, começamos a mentalizar-nos de que cada dia é um dia e que sofremos menos se não pensarmos constantemente: "quando é que chegamos ao fim?". A pergunta que já todos fizemos estes dias, em casa, sentados no sofá.