Lição de um falso anúncio de morte
Um jornal, que não este, anunciou ontem a morte de José-Augusto França. Logo, outros jornais portugueses, incluindo este, publicaram a citada morte. Ora, José-Augusto França, de 95 anos, está vivo. O primeiro dos jornais a publicar-lhe a morte será talvez o único a ter uma razão plausível para o erro cometido - talvez um seu jornalista tenha recebido notícias que julgou fidedignas. Talvez tenha sido vítima de uma brincadeira de mau gosto. Talvez, não sei... Porém, todos os outros jornais, incluindo o DN, não têm desculpa nenhuma.
Desses, incluindo o DN, sabe-se, sem margem para dúvidas, porque publicaram a falsa notícia: porque outro jornal já o fizera, os outros apressaram-se a segui-lo. Apressaram o push - aviso para os telemóveis e computadores dos leitores - pois um segundo de atraso diminuiria os cliques de leitura. Um push é útil porque permite aos nossos leitores terem rapidamente o alerta de uma notícia. Mas um push falso é uma arma letal: informa mal o leitor e desvaloriza o nome do jornal.
E há, como neste caso, outra consequência mais grave: a falsa notícia gratuitamente incomodou um homem, os seus familiares e os seus amigos. De notícias de mortes apressadas está a história do jornalismo cheia, algumas entraram na lenda e, com o passar do tempo, até fazem sorrir. Mas quando a razão do erro bebe numa prática que destapa as fraquezas do jornalismo atual - os seus meios limitados, as suas redações curtas e a pressão pelo imediatismo - o melhor é tomar a sério a gravidade. O push é importante, mas mais importantes são as pessoas.
E outra coisa: o push mandado por um jornal é um assunto editorial, de jornalistas, que têm uma relação com a informação que vai para lá da eficácia. O jornalista serve a verdade e só. Conselhos de técnicos da rapidez e de aumento de tráfego são bons de ouvir porque devemos lidar bem com a tecnologia. Tal como os jornalistas devem agradecer aos técnicos de ontem que lhes deram teclados QWERT para escreverem as notícias. Mas tal como aos técnicos de ontem não lhes era permitido insinuar que numa dada notícia se devia bater mais vezes na letra Q do que na letra R, um jornalista de hoje não deve permitir outra razão, além do jornalismo, que lhe apresse o push. Ponto.