Libertem Ricardo Salgado

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O Novo Banco é uma velha história portuguesa: está cheia de omissões, erros de julgamento e falsidades sem fim. É uma calamidade financeira em câmara lenta, um horror económico, um absurdo legal. Tudo o que podia correr mal correu pior ainda. A anterior administração do Banco Espírito Santo (BES) é a principal responsável: o banco foi contaminado pelo grupo e com isso envenenou o país inteiro. Se o desastre BES já não tem emenda possível, pelo menos tem de ter responsáveis. Passaram 28 meses desde que o banco foi exterminado, o que se passa com a investigação? O que falta resolver? Haverá alguma espécie de acusação ou afinal vamos concluir que foi tudo obra do acaso e apenas da malvada crise económica? Foram ou não cometidos crimes?

O justicialismo é das piores tentações (pulsões) que existem numa democracia. Em regra, serve apenas para encobrir outros crimes e piores desventuras. Mas caramba: o maior engodo financeiro de que há memória no Portugal contemporâneo não exige alguma atenção do Ministério Público, maior rapidez, o mínimo de transparência e zelo? Apetece dizer: libertem Ricardo Salgado e companhia Ltd. desta investigação ou então ponham a acusação na mesa de uma vez por todas.

Também não me posso esquecer de Carlos Costa, governador do Banco de Portugal. Eu estava lá, na Rua do Ouro, naquela noite de agosto de 2014 quando ele decretou a extrema-unção do BES. Chamou esquema de Ponzi à nebulosa que envolvia os negócios do banco e do grupo e assegurou que tudo se ia resolver. Que tremenda ingenuidade - a do governador e a nossa. Que sentido fez matar o BES, deitar fora a garantia do Estado angolano e injetar à pressa 4,9 mil milhões de euros, entretanto mastigados e digeridos sem deixar rasto? Carlos Costa: quer fazer o obséquio de responder outra vez, porque ainda não percebemos? É verdade, não havia soluções fáceis, mas está totalmente por provar que esta tenha sido a menos má.

A antiga ministra das Finanças também tem a mão no vespeiro. Maria Luís Albuquerque tentou sempre manter-se a uma distância higiénica e esperta do assunto, embora a certa altura também ela tenha vislumbrado no horizonte uma matilha de interessados para o que era suposto ser apenas o saboroso lombo do BES. Vinte e oito meses depois (e a contar...) cá estamos pela segunda vez: nem um só banco interessado neste tesouro nacional, apenas fundos de investimento que trazem à lapela o objetivo declarado de esfolar o gato e seguir em frente.

Também não sei se a nacionalização, agora assumidamente exigida por Francisco Louçã, é o melhor caminho. De um dia para o outro, o Estado ficaria com 41% do crédito concedido às empresas (Caixa+Novo Banco). Mesmo que fosse um acionista privado a ter este imenso poder sobre a economia, eu pensaria exatamente o mesmo: não faz sentido, é um risco, uma imensa tentação. Seria a desmesura do poder, a reencarnação do BES, só que com outra roupinha e menos patine.

Acresce a tudo isto que o Novo Banco precisará muito provavelmente de um aumento de capital a prazo; e Bruxelas não facilitará (aliás, dificultará) se a origem do dinheiro for outra vez pública. É ver o que aconteceu com a Caixa nos últimos meses. Resumindo: esta história não vai a lado nenhum tão cedo. Mário Centeno terá de escolher entre dois caminhos estreitos e maus. Vender barato já ou então criar um segundo satélite público com todos os perigos que isso implica para uma economia livre e aberta. Ainda livre e aberta.

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