Libertação de teste no bolso

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Setembro é o mês da libertação. Isso mesmo nos tem sido anunciado, mas ainda com pinças e cautelas, que na verdade não nos permitem prever se o regresso à normalidade estará de facto próximo. E sobretudo impedem as empresas e as atividades de organizar-se para enfim planear o futuro, reorganizar-se e agendar eventuais investimentos ou simplesmente testar a sua capacidade de viver num mundo que demorará um bom par de anos a regressar ao ponto pré-pandemia.

Os sinais que foram usados como fasquias para a reabertura são positivos - a vacinação completa foi assegurada já a mais de 73% dos portugueses, com particular atenção às camadas mais idosas da população; a nova variante sul-africana parece não despertar alarmes, e se os casos hoje registados estão acima dos que tínhamos há um ano, a proporção de internamentos é incomparavelmente mais baixa.

Ainda há, porém, um longo caminho a percorrer para nos vermos livres das restrições que mantêm grande parte dos negócios de mãos atadas e vendados sobre o que aí vem. Ninguém quer correr o risco de levantar restrições demasiado depressa. Mas seria um importante sinal de regresso à normalidade parar de fazer contagens diárias aos casos de covid. Ou, a mantê-las, que o fizéssemos com ênfase nos recuperados, e não nos contágios - ontem o número de pessoas a ter alta foi o dobro do de novos casos registados, mas poucos o saberão.

Por outro lado, talvez fosse útil começar a pôr as coisas em perspetiva - podia até ajudar a despertar a atenção dos portugueses para as doenças que há 10 anos mais matam em Portugal. Basta ver que, em 107 mil óbitos/ano, mais de metade é decorrente de cancro ou doenças do aparelho circulatório: estamos a falar de quase 150 mortes por dia, bem longe da média de uma dezena de casos mortais provocados pela covid.

Recomendável seria ainda que se reintroduzisse algum do bom senso que tem faltado na tomada de decisões sobre o que se mantém fechado e o que tem luz verde para abrir. E que tem resultado em absurdos como podermos andar todo o dia a passear mas termos estado meses proibidos de ir ao escritório se o trabalho pudesse ser feito em casa. Ou podermos andar em transportes públicos apinhados mas a lotação de um concerto ao ar livre ou de um jogo de futebol continuar condicionada a uma parte do recinto. Ou ainda cairmos em cima dos miúdos que estão há um ano presos em casa, a quem chamámos a vacinar para poderem recuperar a liberdade, mas que continuamos a não deixar que a vivam ao manter discotecas fechadas e ao proibir que se juntem na rua.

Setembro será o mês da libertação, não pela perspetiva de podermos deixar as máscaras em casa, mas apenas e só se nos for permitido recuperar a normalidade a todos os níveis. Mesmo que tenhamos de passar uns bons meses com uma caixa de testes rápidos no bolso.

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