Letras com estilo

FBA é um pequeno <i>atelier</i> de <i>design</i> e comunicação em Coimbra, mas com coração de gigante. Há três anos consecutivos que recebe o maior prémio internacional de <i>design</i> de capas de livros - além de muitos outros galardões.
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Quando souberam que tinham ganho o maior prémio internacional de design de capas de livros (o AIGA 50 Books/50 Covers), em 2010 os elementos da equipa da FBA pensaram que nunca mais conseguiriam replicar a façanha. Mas nunca mais é muito tempo. Há três anos consecutivos que os criativos da empresa de Coimbra repetem o feito. E tornaram-no inédito porque, pela primeira vez (e já vão três), o prémio foi atribuído a coleções e não a livros únicos, como era habitual. Além disso, receberam também o Prémio Nacional Sena da Silva (do Centro Português de Design), vários Red Dot Awards, o European Design Silver Award (na categoria Book Design) e muitos outros que validam o trabalho da FBA ao mais alto nível.

«Só há cerca de quatro anos é que começámos a submeter os nossos trabalhos a concursos internacionais», explica Alexandre Matos, gestor comercial e um dos fundadores da empresa. «Estamos bastante isolados em Coimbra. Tirando os familiares e um ou outro cliente a dizer-nos que somos muito bons, isso não nos dava uma noção real do que fazemos. Queríamos perceber o lugar que ocupamos na escala.» Nenhum deles sabia muito bem o que esperar quando deram o passo, sobretudo por estarem habituados a criar com grandes limitações de tempo, orçamento e uma falta de cultura de projeto que termina quase sempre em nervos de última hora. «Foi muito gratificante vencermos lá fora.»

Foi uma coleção de livros feita em 2009 com a chancela Minotauro, do grupo Almedina, que em 2010 valeu aos designers Ana Boavida e João Bicker, diretor criativo da empresa, o prémio AIGA 50 Books/50 Covers, o mais cobiçado pelos designers de livros do mundo inteiro, atribuído pela AIGA (American Institute of Graphic Arts, uma associação profissional para o design). Cerca de um mês antes, a mesma coleção reunindo textos de autores espanhóis contemporâneos tinha já arrebatado um Silver Award no Festival Europeu de Design, em Roterdão, um dos mais importantes eventos internacionais na área do design editorial. «O grande desafio para mim foi conceber cada capa de forma a desvendar tanto do livro quanto aquilo que deixasse por descobrir», conta Ana Boavida. «Acabei por ler tudo de uma forma feia, quase de castigo em folhas A4 pela noite dentro, até chegar à ilustração certa.»

Em 2011, uma nova coleção assinada por Ana para a Almedina no decorrer do ano anterior, com a participação de Bicker, entrou pela segunda vez consecutiva na seleção restrita dos 50 Livros/50 Capas mais bem desenhados do mundo, com o júri a aclamar por unanimidade os Temas de Psicanálise inscritos pela FBA. «Ficámos muito orgulhosos de estarmos ao lado de muitos dos nomes que admiramos no design gráfico de capas e livros», reconhece João, satisfeitos por a coleção ter recebido também um Red Dot Award em Essen, na Alemanha. Em 2012, o atelier de Coimbra conseguiu ainda a proeza de ser premiado pela terceira vez com o galardão do AIGA, desta feita com três coleções elaboradas em 2011: duas da Almedina, Ler Melhor e Celga, concebidas por Ana Boavida, e uma da editora Nova Delphi, Mnemosine, assinada por Rita Marquito. «Ainda não concorremos com o trabalho de 2012, mas há um livro grande, com caixa e muito bem produzido, uma peça de arte, que terá boas possibilidades», adianta Ana, esperançada.

As coisas têm corrido bem à FBA nos últimos anos. Mas a história deste atelier começou em 1998. Na idade em que os colegas universitários se aplicavam a terminar os cursos, João Bicker concebia capas de livros, catálogos de exposições e materiais gráficos para não fazer a tese de biologia. Enquanto isso, Alexandre Matos usava a fotografia como desculpa para não estudar (estava a tirar engenharia eletrotécnica, que nunca chegou a concluir). Acabaram por se encontrar neste contexto de intercâmbio académico: quando Alexandre precisava de um criativo para alguma das atividades culturais em que estava envolvido, chamava o amigo biólogo que fazia design; quando os projetos de João se avolumavam e ele se via incapaz de organizar e sistematizar conteúdos, recorria ao fotógrafo que mais percebia de gestão e divulgação.

«Não houve nada de corajoso na decisão de fundarmos a FBA em 1998», aponta Alexandre Matos, hoje com 44 anos. «A certa altura, o volume de colaborações era tal que, ou seguíamos as nossas profissões e mantínhamos aquilo um hobby, ou íamos para a frente a sério. Nem sequer tínhamos a certeza de haver clientes que sustentassem o negócio: no início dos anos 1990, o design gráfico era uma área muito pouco explorada no país.» Os dois amigos juntaram-se então à designer Maria Ferrand (que entretanto saiu do projeto), a um engenheiro civil que ainda hoje é sócio e uma espécie de voz da consciência da empresa, e criaram a FBA - Ferrand, Bicker & Associados. Aprenderam o que podiam com os criativos que se cruzavam no seu caminho e com os modelos de gestão ingleses e americanos que estudavam através da Amazon para lhes servir de referência. Em boa hora decidiram ainda ir para a incubadora de empresas do Instituto Pedro Nunes - Associação para a Inovação e Desenvolvimento em Ciência e Tecnologia, em Coimbra, o que lhes trouxe contactos privilegiados e oportunidades de negócio junto de outras empresas.

«Também tivemos a sorte de ter alguns clientes que confiaram em nós desde o início, apesar da falta de currículo», diz João Bicker, diretor criativo. «Acabámos por fazer o nosso próprio percurso em termos de gestão. E elevámos a fasquia a tal ponto que os honorários de design em Coimbra duplicaram à nossa conta», ri-se o responsável, ciente de que isso lhes permitiu escolher os clientes que melhor encaixavam no perfil da empresa. «Percebemos que não conseguíamos trabalhar com toda a gente, que não funciona se não houver empatia. E a nossa história é um bocadinho essa, de saber ouvir e procurar entender os problemas do outro lado. É por isso que tivemos cerca de duas centenas de clientes ao longo dos anos, mas há uns quantos que se mantêm desde o primeiro dia.»

Além dos livros, o atelier assina trabalhos na criação de identidades visuais e marcas, no design editorial e no design para exposições. Destacou-se na exposição permanente do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra e na exposição Arquiteturas em Palco, da autoria de João Mendes Ribeiro (representando Portugal na Quadrienal de Praga em 2007, o arquiteto ganhou a medalha de ouro na categoria Best Stage Design). Em 2009, recebeu três Red Dot Award (outro dos mais conceituados galardões internacionais, a premiar o melhor que se faz anualmente em design) pelo projeto de identidade visual do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha e pelos projetos de design gráfico e de catálogo da exposição WeltLiteratur, iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian. No ano seguinte a FBA era convidada, pela Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, a criar a identidade visual do evento.

«Começámos por pesquisar a iconografia da República, mas as imagens eram uma coisa medonha, só bigodes e meninas desnudas. Não saía nenhuma ideia», recorda João Bicker, divertido com a memória. Às tantas, na troca de argumentos que acompanha todos os projetos, a equipa percebeu que aquilo que se estava a comemorar eram os cem anos da República, não a sua implantação. «Também percebemos que a aposta na instrução foi o grande marco. E então a Ana lembrou-se de fazer um paralelo entre o alfabeto e a sociedade, em que as letras eram um conjunto de indivíduos diferentes, mas que contribuem para o bem comum ao moverem-se numa grelha representando as regras da democracia», revela o designer e professor de Design e Multimédia na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.

Ficou um programa enorme, com cada letra desenhada em cartaz para criar um alfabeto de valores republicanos: o D de Democracia, o P de Participação e por aí fora. «Demos tudo à Comissão, estava lindo! E no fim apenas usaram o logótipo: o C e o R de Centenário da República, enquadrados num balão de fala», lamentam todos. Valeu-lhes a maturidade ganha no processo e o começo de uma nova forma de liberdade: a sensação de que desenhar, quaisquer que sejam os altos e baixos, é sempre um desafio estupendo.

Desafios por medida

Encarando o design como ferramenta de intervenção e divulgação social, todos os anos a FBA reserva algum tempo para se dedicar pro bono a uma causa que seja querida a alguém da empresa, ou mesmo que lhes peça diretamente ajuda. «Não é uma coisa matemática, depende muito dos nossos recursos na altura, mas já fizemos projetos de identidade e materiais de comunicação para eventos culturais, associações de familiares de pessoas com doença mental, apoio a vítimas de crime, inclusão social e outros», confirma Alexandre Matos, para quem cada trabalho é um desafio diferente, sem fórmulas, em que o designer surge cada vez mais como um congregador de vontades, em vez da figura que trabalha de forma isolada no final do processo.

«A tendência para o desenrascanço da maioria dos clientes dificulta-nos muito a vida, tal como a falta de planeamento, os prazos impossíveis, a crise, os orçamentos reduzidos na generalidade dos casos, a escassez de meios e o facto de o Kindle estar a transformar o mercado livreiro e a obrigar-nos a dar o salto da impressão em papel para o ecrã», enumera o gestor comercial. Mas as dúvidas que por vezes surgem não desarmam a equipa. «Havemos de saber dar resposta ao que o futuro nos trouxer.»

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