Leiria. Passeios tranquilos junto ao Lis têm os dias contados?
A entrada das máquinas da Câmara no percurso Polis, em Leiria, teve um efeito arrasador no clima social da cidade, como bem espelham as redes, por estes dias. Há uma espécie de duelo entre os que defendem a pavimentação daquele corredor ribeirinho e os que olham para o material "betuminoso" como se anunciasse o fim das caminhadas e passeios com crianças à beira-rio. Não é essa a opinião da autarquia, que continua a ver ali "uma intervenção que dá prioridade à circulação pedonal", como disse ao DN o vereador Ricardo Santos, responsável pelas obras municipais.
Os trabalhos acontecem "na sequência da forte degradação do percurso e do mobiliário existente no percurso" e traduzem-se numa pavimentação do Polis (como é conhecido na cidade), que passará a ter "uma largura para o uso do peão de 2 metros, e uma via ciclável, com dois sentidos na largura sobrante, com 2,5 metros, criando uma separação da via ciclável e da via pedonal sempre que possível", acrescenta o vereador. O que está a ser colocado ao longo do percurso que atravessa a cidade é "um pavimento drenante, com recurso a uma mistura betuminoso modificado drenante, com uma camada reduzida de material maleável e poroso, de modo a garantir conforto aos utilizadores", informa Ricardo Santos, certo de que "esta intervenção torna também o percurso mais seguro, através da aplicação de tonalidades diferentes no pavimento, de modo a distinguir a parte pedonal da parte ciclável".
DestaquedestaqueAutarquia garante que, no final, a intervenção vai tornar "o percurso mais seguro" para todos e pôr fim ao atual estado de degradação.
Mas é precisamente esse o ponto maior da discórdia. Muitos são os que temem pela segurança dos peões, sobretudo em caminhadas com crianças e cães, e por isso cidadãos e representantes de partidos políticos estão a organizar-se para fazer circular uma petição que faça a câmara retroceder nesta obra. Mas enquanto não acontece, os estados de alma vertem-se em artigos de opinião na imprensa local, e em posições assumidas nas redes sociais, cujo ponto de partida foi uma carta aberta ao presidente da câmara, Gonçalo Lopes, assinada pelo professor José Vitorino Guerra. "Sabe-se que frequentemente o percurso é efetuado por ciclistas em velocidades exageradas que geram intranquilidade nos peões", alerta o documento.
"O piso anterior era agradável à vista, não agressivo e integrado no meio envolvente. Não provocava ruturas artificiais, como vai passar a acontecer. O piso carecia de manutenção e essa, no geral, nunca foi feita a tempo e horas. O novo piso vai irradiar mais calor no verão, para quem circula, o que é penoso para as crianças e para os animais. Por outro lado, a circulação num piso demasiado duro é mais difícil e gera maiores choques nas articulações", pode ler-se na carta.
A arquiteta Ana Bonifácio - que acompanhou o programa POLIS em Leiria desde o início - sublinha essa caraterística da obra: "Era um percurso pedonal, que era ciclável, mas para rodas pequenas: carrinhos de bebé, crianças a aprender a andar de bicicleta, por exemplo. Transformá-lo numa ciclovia não parece compatível, já que tem características particulares, está legislada pelo código da estrada, ao qual devem obedecer os utilizadores".
Atualmente a residir em Lisboa, Ana Bonifácio recebeu as notícias das alterações com estupefação. "Quando soube que isto estava a acontecer, fiquei desolada. Porque isto significa voltar atrás no tempo", considera, recordando a "mobilização enorme que o projeto trouxe à cidade, quer através de associações quer da comunidade, mas também um trabalho enorme de monitorização e acompanhamento".
A verdade é que parece existir uma Leiria antes e outra depois do Polis. " Houve uma grande preocupação de devolver o rio à cidade, entregar o rio às pessoas, criar pontes pedonais e ligação entre margens, espaços de fruição, lazer, zonas de estar e contemplação", sublinha Ana Bonifácio, aludindo ao tempo em que integrou a sociedade gestora do programa em Leiria, onde o grande desafio era "dar às pessoas uma nova perspetiva sobre o que poderia ser viver aquele rio (Lis), conhecido por ter tantos problemas ambientais" tendência que - pelo menos no centro da cidade - conseguiu inverter-se. "Mais do que o pavimento que estão a colocar - que na minha perspetiva não é bom, não é indicado - é a questão do uso que lhe vão dar", adianta.
Ricardo Santos tem outra interpretação: "O percurso Polis é utilizado em simultâneo por peões e ciclistas desde sempre. A intervenção está a ser projetada para melhorar as condições de convivência segura, seja através da diferenciação do piso através de tonalidades distintas, seja pela colocação de sinalética. Aliás, esta demarcação torna o percurso mais seguro do que na atualidade em que é utilizado, quer por peões, quer por ciclistas, de forma totalmente desregrada."
O vereador responde à contestação com o facto de ser esta uma obra "discutida e aprovada por unanimidade, em reunião de Câmara", embora a oposição engrosse o coro de protestos nas redes sociais. Também a CCDRC deu parecer favorável ao projeto, nomeadamente ao tipo de piso. Porém, é isso mesmo que a Agência Portuguesa do Ambiente está a averiguar.