Leilão inédito provou que fotografia já tem mercado
Com 76% das peças vendidas e um "valor global de adjudicação" que ultrapassou os 39 mil euros (aos quais acrescerá o IVA), o primeiro leilão realizado em Portugal exclusivamente com fotografia foi um êxito. Exemplo? O recorde foi batido pelo álbum de uma visita presidencial de Oscar Carmona, em 1939: com uma base de licitação de mil euros, atingiu os 2600. Quinta-feira à noite, a Sala Laman do CCB, em Lisboa, foi pequena para tantos interessados em imagens dos séculos XIX e XX, e alguns dos 300 lotes conseguiram provocar acesos despiques.
Mesmo sem somar a comissão de 15% da Potássio Quatro, que organizou o evento, e os 21% de IVA (que incidem sobre a comissão), alguns "preços de martelo" causaram surpresa. A prova do atelier Alvão com os socalcos do Douro foi uma dessas imagens cobiçadas, tendo rapidamente passado de uma base de 25 euros a 540. Um álbum com 88 retratos em caricatura de figuras da vida artística e literária portuguesa passou dos 200 aos 1400 euros. Azeite e Azeitonas e Frutas e Flores, de Mário Novaes, foram dos 50 aos 460 euros. E o livro Lisboa Cidade Triste e Alegre, publicado em 1959 por Victor Palla e Costa Martins, começou nos 400 e acabou nos 1100 euros. Quando foi arrematado, as mais de 200 pessoas que encheram a sala aplaudiram.
Comprar por paixão
Paulo Carboila, realizador de filmes publicitários, saiu do CCB com dois dos lotes mais caros: uma caixa com 18 placas de vidro em diapositivo de S.Tomé, por 1600 euros, "preço de martelo"; e o retrato de Arpad Szenes e Vieira da Silva feito no estúdio dos artistas por Denise Colomb, arrematado por 1300 euros.
Interessado nas tradições portuguesas e confesso comprador "por paixão", como explicou ao DN, este coleccionador que já adquiriu em leilões cerâmicas de Bordallo Pinheiro levou ainda para casa "coisas estranhas e fantásticas", como imagens da subida da Calçada da Glória em bicicleta ou de navios da Marinha. "Há um feeling para comprar e um feeling para parar", disse a propósito dos lotes que disputou.
Instituições e estrangeiros
"Foi, sem dúvida, um resultado muito bom para um primeiro leilão de fotografia", reconheceu Luís Trindade, da Potássio Quatro. "E o que se destaca é a exigência dos coleccionadores. Surpreendeu-nos a procura de lotes com interesse artístico e os jovens que estiveram na sala", acrescentou o pregoeiro que, com o primo Bernardo Trindade (da Livraria Campos Trindade), se estreou assim nos leilões. "Foram peças para coleccionadores estrangeiros e algumas para instituições do Estado", adiantou, mas sem revelar quais.
O Instituto Português de Museus foi uma dessas entidades. Ao DN, Manuel Bairrão Oleiro, o director, contou que foram compradas "duas pequenas fotografias, com interesse documental: uma do interior do Museu Grão Vasco e outra de uma embarcação no Tejo". Mas o preço total, justificou, rondou os "180 euros".
O olhar dos especialistas
Ao fim de duas horas e meia, António Barreto estava visivelmente satisfeito. "Estiveram cá quase todos: os fanáticos, os marados, os 'pedrados', os obsessivos e os curiosos", gracejou em conversa com o DN o investigador e membro da comissão científica do leilão.
Também ele um conhecido coleccionador, Barreto considerou que "correu melhor do que esperava". Quanto ao interesse despertado por um dos retratos de Salazar, que dos 100 euros chegou aos 520, o ex--ministro e ex-deputado do PS lembrou que "as grandes figuras não tiveram grande saída, como Carmona, Craveiro Lopes, Mário Soares ou o escritor David Mourão-Ferreira [protagonistas de alguns dos 71 lotes retirados por falta de licitadores], e de Salazar só se venderam dois".
Jorge Calado, curador e coleccionador de fotografia, "já estava à espera" que corresse bem, porque ficou logo "muito impressionado com a qualidade do catálogo". Embora questionando alguns preços atingidos e a falta de interesse por certos lotes, nomeadamente os africanos, louvou "um exemplo de profissionalismo que não é habitual no nosso País". Para casa levou só três fotos "por razões emocionais", dado que "já que há espaço e a [sua] colecção está praticamente terminada".
Os organizadores prometem novo leilão em Outubro, com mais informação histórica sobre os lotes e "surpresas com fotografais de grande qualidade". Para Luís Trindade, o tempo agora é de balanço e "reajustes". Fica a promessa de se melhorarem as licitações por telefone e de um sistema online que permitirá, após registo no site (www.p4photography.com), acompanhar em tempo real o que se passa na sala.