Leia cá dentro lá fora

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Se calhar vou ser acusado de dar mais uma ajudinha à crise dos nossos jornais. Mas vou correr o risco: leiam jornais espanhóis. Há dois bons nos quiosques portugueses: El Mundo e El País. Não tenho problemas de consciência, porque o meu conselho é temporário: façam-no só por estes dias. E o meu conselho justifica-se pela informação: por estes dias ninguém explica melhor o que se passa na política portuguesa.

Não, os jornais espanhóis falam pouco sobre o que se passa por cá. As costas viradas, é recíproco. A vantagem que temos em lê-los é que, falando eles bem sobre eles, percebemo-nos melhor. Eis, então, o que dizem.

As legislativas de lá ganhou-as o partido da direita (PP), mas sem maioria para governar. Os socialistas (PSOE) chegaram em segundo. Aquele estava desacreditado, não tinha possibilidade de alianças, nem o Ciudadanos (centro-direita) aceitava uma aliança com o líder do PP, Rajoy. Então, tudo dependia do que fizesse o PSOE.

Este podia fazer de morto e esperar novas eleições. Ou podia aceitar a proposta do PP e fazer uma aliança. Porém, ambas as soluções tinham no fim esta certeza: o PSOE entraria em pasokização (processo que aconteceu aos socialistas gregos), isto é, desapareceria, canibalizado pela esquerda radical (Podemos).

Não estando virado para o suicídio, o PSOE escolheu outra via. Governar é obrigação, porque o sentido primeiro e último disso é melhorar a vida dos seus cidadãos. Então, o PSOE propôs ao centrista Ciudadanos e ao esquerdista Podemos, uma solução. A única que a matemática e a política permitiam. Com a matemática, juntando-se aos Ciudadanos e garantindo a abstenção do Podemos, tinha a maioria que permitia governar. Com a política, cedia o suficiente ao Podemos, com a exigência de não tocar no intocável (a unidade de Espanha).

Como sabem, a proposta do PSOE sofreu uma derrota no parlamento, ontem, e vai sofrer outra, amanhã. Os socialistas espanhóis preferiram fazer alguma coisa em vez de se suicidarem. Se calhar vão definhar na mesma, mas tentaram. E só irresponsáveis podem regozijar-se com o fim duma força moderada na política espanhola...

Afinal, falei-vos da situação portuguesa. Parece que com o PSD e CDS a não poderem governar - não tinham maioria - tentou-se atrelar o PS a um governo comum, depois de 4 de outubro de 2015. Tarde piaram. Antes das eleições de 2011 e depois das eleições de 2011, escrevi, eu e outros, por várias vezes: se a situação nacional e internacional é tão má como a pintam, e era, impunha-se um governo PS-PSD-CDS (antes) ou PSD-PS-CDS (depois). Não se foi por aí, nem por um, nem por outro.

Depois das últimas legislativas, Passos propôs atrelar António Costa. Quer dizer, com o passado recente dos últimos quatro anos, a pasokizar a curto prazo o PS. Costa não só não aceitou, como encontrou uma solução governativa. Mérito dele, em tecer laços, com o PCP e o BE. Méritos destes por não terem imposto condições inaceitáveis a um partido moderado.

Estamos, Portugal, nisto. A situação política não é brilhante. Mas infinitamente melhor do que a de Espanha. Porque lá, não se conseguiu ter governo. E por cá, vai-se tendo. Obrigado, El País e El Mundo, por me irem explicando.

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