Lei centenária de oito horas de trabalho foi marco histórico - ex-sindicalista
Os trabalhadores portugueses do comércio e da indústria conseguiram a jornada de trabalho de oito horas há 100 anos, a partir de 17 de maio de 1919, quando os empregados da banca e escritórios passaram a trabalhar sete horas diárias.
De acordo com um decreto-lei publicado no Diário do Governo de 07 de maio de 1919, o período máximo do trabalho diário, quer fosse diurno, noturno ou misto, "dos trabalhadores e empregados do Estado, das corporações administrativas e do comércio e indústria, com exceção dos rurais e domésticos", não poderia ultrapassar oito horas por dia, nem 48 horas por semana.
"Esta lei foi um avanço civilizacional, que marcou a história dos direitos laborais e impulsionou as lutas que se seguiram em defesa da redução do horário de trabalho", disse à agência Lusa José Ernesto Cartaxo, antigo dirigente da CGTP.
José Ernesto Cartaxo foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos entre 1975 e 77, ano em que integrou a direção da CGTP, de onde saiu em 2008, devido ao limite de idade.
Desde então tem estado envolvido na elaboração dos vários volumes sobre a história do sindicalismo português que a Inter tem vindo a editar.
O ex-sindicalista considerou que a lei de há 100 anos foi fruto de um contexto nacional e internacional que forçou a sua publicação.
Lembrou as greves e manifestações de maio de 1886 em Chicago, em defesa das oito horas de trabalho, oito horas de descanso e oito horas de lazer, que terminaram com a morte de trabalhadores e que dariam origem à criação do Dia do Trabalhador, três anos depois.
Referiu os reflexos na Europa da revolução socialista de Outubro de 1917 na Rússia.
"A nível nacional, na I República viveu-se uma grande dinâmica sindical que permitiu alguns resultados, embora com muita luta", disse, lembrando que em 1919 tinha sido criada a Confederação Geral de Trabalhadores, que sucedeu à União Operária Nacional, fundada em 1914.
"Este contexto forçou a publicação desta lei, embora muito trabalhadores tenham ficado fora da sua abrangência, mas foi um farol para as lutas que se seguiram pela redução do horário de trabalho, que foi sempre uma reivindicação muito importante", acrescentou.
Salientou, a propósito, as lutas no setor agrícola pelas oito horas de trabalho diárias, que só foram conseguidas em 1962.
As 45 horas, a chamada semana inglesa, com um dia e meio de descanso por semana, foram conseguidas em 1969 pelos trabalhadores do comércio, após muitas lutas.
O ex-dirigente da CGTP lembrou ainda que os anos 90 "foram de intensa luta" para a Intersindical, em defesa do horário semanal de 40 horas, que levou à concretização de inúmeras manifestações e muitas greves setoriais.
Só em 1996 foram consagradas na lei as 40 horas de trabalho semanal e dois dias de descanso, embora tivesse levado mais algum tempo, e mais lutas, até que a regra fosse cumprida por todas as empresas.
É que as empresas tentaram amenizar o efeito da lei das 40 horas por via das pausas, tentando que elas não contassem como tempo de trabalho.
"Foi uma guerra que durou vários anos, praticamente entre 1995 e 2000, e que envolveu lutas muitos duras, sobretudo no setor do vestuário e do calçado", disse José Ernesto Cartaxo.
O antigo sindicalista chamou a atenção para a situação atual, que representa "um retrocesso, pois há muitos casos em que o horário das 40 horas não é respeitado".
"Hoje luta-se pela semana de 35 horas de trabalho, mas as empresas jogam muito em torno do horário de trabalho, dão com uma mão e tiram com a outra, como é o caso do banco de horas, que é uma fuga ao pagamento do trabalho extraordinário", disse.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou este mês um relatório que refere que um sexto dos trabalhadores da União Europeia trabalha 48 horas semanais ou mais e em Portugal trabalha-se em média 45 horas por semana, apesar da legislação laboral prever o limite das 40 horas semanais.