Le Pen já não mete medo

Le Pen sempre sonhou defrontar Macron na segunda volta, uma vez que ele representa o que a maioria dos franceses detesta ao nível económico. Ou seja, a escolha de domingo para muitos franceses é um pesadelo
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Em 2002, quando o pai, Jean-Marie le Pen, chegou à segunda volta das presidenciais, os franceses, especialistas mundiais em manifestações, desceram à rua para protestarem contra o perigo do "fascismo". Recordo-me, que até em Lisboa, no dia 25 de abril de 2002, entre as duas voltas da eleição francesa, ouvia-se também o slogan " Fascismo nunca mais". A esquerda portuguesa também estava preocupadíssima com a possível vitória de Le Pen.

Desta vez, tirando umas centenas de manifestantes em França, não houve nada que se assemelhasse ao que aconteceu em 2002. Em Portugal, também, parece que Le Pen não assusta tanto.

Na segunda volta das eleições, o pai, Jean-Marie, só conseguiu aumentar em 2 por cento a sua votação. Marine, pelo que as sondagens indicam, poderá duplicar o resultado da primeira volta! Em 2002, Chirac recusou debater com Le Pen. Em 2017, Macron nem equacionou não debater com Marine.

Na última semana, uma imagem marcou-me na televisão. Frente a Frente, dois habituais apoiantes de Macron e Le Pen estavam a debater. De repente, a apresentadora disse--lhes que uma vez que estavam tão habituados a estarem juntos na TV, podiam eventualmente entrar numa união de facto.... Os dois olharam um para o outro e desataram a rir. Impensável há 15 anos atrás! Já rimos com a extrema-direita.

A Frente Nacional, agora, faz parte da vida política francesa. Em 2002, a presença de Le Pen na segunda volta apanhou toda a gente de surpresa. Desta vez, foi considerado normal. Toda a gente estava à espera. A mudança de liderança no partido também teve um grande impacto. Jean--Marie le Pen é claramente mais extremista do que a filha. E ao nível económico, os dois nada têm a ver. O pai é liberal, enquanto a filha defende o Estado social, uma mudança de rumo que agradou a muitos franceses, tendo em conta que em França o liberalismo ainda é uma palavra ordinária.

É por essa razão que Marine le Pen sempre sonhou defrontar Macron na segunda volta, uma vez que ele representa o que a maioria dos franceses detesta ao nível económico. Ou seja, a escolha de domingo para muitos franceses é um pesadelo. Frente a frente, um discurso anti-imigrante e um discurso pró-liberal. Por isso, 20 por cento do eleitorado da extrema--esquerda que votou no Mélenchon, equaciona votar em Marine le Pen no domingo! É como se, em Portugal, um eleitor em cada 5 do PCP ou do Bloco equacionasse votar no PNR!

Mas cada país tem o seu próprio contexto e, em França, a Frente Nacional está muito enraizada. A prova disso foi a votação da primeira volta. Os operários e os trabalhadores manuais votaram Le Pen, ou seja, as pessoas que têm menos poder económico. Por seu lado, Macron atraiu o eleitorado mais rico e que mostra confiança em relação ao futuro. Nunca a França ficou tão dividida. Macron, o candidato das grandes cidades. Marine, a candidata das aldeias e do campo. A região de França onde o desemprego é mais baixo, toda a zona Oeste, votou Macron, enquanto o Sul-Este e o Norte, votaram Le Pen. A França perdeu a sua união, e não é por acaso que muitos franceses vêm viver para Portugal! Não é só por causa dos impostos. Tem que ver com o clima social e com a relativa tranquilidade que se vive aqui. Coitada da minha França. Preocupa-me que o país onde nasci tenha perdido valores como o respeito pelo outro, o chamado vivre ensemble. Voltamos ao século passado em que um empresário já não entende um operário nem o contrário. Em que a religião tem tanto peso numa eleição.

Este clima de tensão social beneficia claramente a candidata da Frente Nacional.

Em princípio, no domingo, e como aqui escrevi há dois meses, Marine le Pen irá perder as eleições. No entanto, ainda tem um grande trunfo: o debate de quarta-feira. O talento de oradora de Marine le Pen poderá fazer a diferença. Além disso, ela não tem nada a perder, porque lá no fundo sabe que, em princípio, a eleição está perdida. No domingo, Marine le Pen poderá ter entre 40 a 45 por cento dos votos, o que seria um resultado extraordinário. Escrevi há dois meses atrás no DN, que Marine le Pen não ia ganhar em 2017 porque os franceses ainda não estão preparados para a extrema-direita no poder. Mas uma coisa é certa: se a elite francesa, os partidos tradicionais e Macron continuarem a olhar de lado para o povo, preparem-se para uma vitória de Le Pen em 2022... e não será uma surpresa.

Correspondente da Rádio France Inter em Portugal

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