Laos. O jeito que Ronaldo me fez 

Mala de viagem (97). Um retrato muito pessoal do Laos.
Publicado a
Atualizado a

O Laos é um país fascinante. É daquelas regiões indispensáveis para qualquer viajante. País de templos e monges, dos mistérios das mil ilhas e das planícies, da vibrante e colorida capital Vientiane e de um povo hospitaleiro. Porém, é sobre uma cantora e atriz que começo esta história. Alexandra Bounxouei tem dupla nacionalidade, porque nasceu na Bulgária, mas cedo partiu para o Laos, país de origens familiares. Desde 2013 que é a primeira Embaixadora da Boa Vontade do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento na República Popular Democrática do Laos. Antes, Alexandra participava, ativamente, em diferentes projetos educacionais, incluindo uma campanha para reduzir o número de vítimas jovens em acidentes de viação. Criou a sua Fundação para apoiar famílias com crianças com a síndrome de Down. Este dinamismo e a sua empática visibilidade como artista levaram-na a essa nomeação. O seu papel tem sido consciencializar os povos do Laos contra o consumo de drogas, promover a higiene pessoal e a salubridade urbana e alertar para o vírus da SIDA, sobretudo junto das gerações mais jovens. No ano em que pisei este território, o Governo lançara um videoclipe com uma canção promocional interpretada por Alexandra Bounxouei e Sam Intharaphithak, os dois mais famosos cantores do Laos, que também foram coautores: "Laos Simply Beautiful". O sorriso de Alexandra é o sorriso do povo do Laos. Na capital, Vientiane, por conta da baixa quantidade de turistas, é possível ter um contacto mais próximo com a realidade do povo laosiano. Com quase 70% da população budista, é fácil verem-se, no meio do cidadão comum, os monges e os noviços budistas. Um passeio pela cidade foi feito numa motocicleta "tuk-tuk". Quando o simpático condutor soube que eu era português, logo exclamou: "Ronaldo!" Senti que me tinha tornado um turista importante. No seu inglês cerrado, porque a língua oficial é o lao e o legado francês não se sente verbalmente, disse-me que me iria levar a um restaurante de um familiar, depois da volta pela cidade. Porém, esse legado colonial foi surgindo no caminho por onde passámos. Baguetes de pão são vendidas nas ruas e em estabelecimentos comuns e populares desde os tempos da Indochina francesa. Estacionámos numa rua próxima do Templo Inpeng. Trocámos os nomes quando já nos tínhamos sentado à mesa e ele explicou-me a razão do seu nome, Khamtai, igual ao do antigo presidente do Laos, quando ele nascera (Khamtai Siphandon). Exerceu o cargo de presidente desde 1998 e, na época, vivia-se o controlo por parte do Partido Popular Revolucionário do Laos, de cariz socialista, ao qual o presidente pertencia, depois de ter sido filiado no Partido Comunista da Indochina e no Pathet Lao, movimento político nacionalista. Política à parte, Khamtai pediu o almoço do dia, cujo nome escreveu no papel: "som tam". Quando o prato chegou, percebi tratar-se de uma salada de mamão verde, com especiarias, servida fria, cheirando a peixe, talvez por causa do molho. Quase ao mesmo tempo, chegaram pães, vinhos e queijos, que, pelos vistos, refletem parte da cozinha ocidental no país. A acompanhar, vieram duas cervejas locais (Beerlao). A propósito de Ronaldo, Khamtai confessou-me que jogara num clube local. Lamentou, porém, que a seleção nacional nunca se tenha classificado para um grande campeonato de futebol, mas a estabilidade política parece ter sido a conquista mais ambiciosa para o Governo do Laos, e não o futebol. Contou-me que, recentemente, a seleção nacional fora investigada, bem como o Lao Toyota FC, por suspeitas de manipulação de resultados. Ficou provado, e muitos jogadores e dirigentes foram banidos para sempre, incluindo estrelas à escala regional. E, de repente, aquele simples condutor de "tuk-tuk" soltou mais ou menos este pensamento: "O futebol é um desporto mundialmente apreciado e talvez possamos, através dele, difundir a integridade, porque deve ser um agente promotor da ética e de boas práticas de governança. Tal como a política", rematou. Eu estava surpreendentemente na frente de alguém cujo lado humano era bem visível; aliás, posso agradecer a Ronaldo ter despoletado em Khamtai o exemplo do povo hospitaleiro, sorridente e informado. Eu paguei a viagem, ele pagou o almoço. - "Laos Simply Beautiful."

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt