LAMENTO POR UMA FALHA DOS LABORATÓRIOS

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Diz-me a BBC que "Barto está mais triste do que zangado". Ele é um camponês do Bornéu, onde as terras têm sido arrasadas para o plantio de palmeiras-dendém. Quando eu era garoto adorava chupar um bago maduro de dendém. É, não sou das Beiras, em questão de frutos sou mais para os lados do Bornéu. Barto também deve ter chupado muitos daqueles bagos amarelos a fugir para o vermelho. Então, ele devia estar contente, vai poder chupar mais. Errado, vai chupar menos.

A Economia é uma ciência que tem destas coisas contraditórias. Quando andei no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras aprendi um fenómeno que tinha nome e tudo, que se me varreu, ficando, no entanto, a mecânica: por vezes, nas sociedades pobres, o aumento do pão fazia aumentar a sua compra (com o aumento, o alimento essencial passava a ser quase único, cortava-se nos outros e comprava-se mais dele). A Economia, repito, tem truques. Barto, por exemplo, com o maior plantio de palmeiras-dendém vai ver subir o preço do dendém.

Barto vai deixar de comer dendém e regar o seu arroz com óleo de dendém exactamente por isso: porque aquele óleo é óleo. Em inglês, língua mais sincera, oil. Que em inglês não lembra palavras poéticas como galheteiro, evoca mais frase de noticiário: "O preço do barril ultrapassou os 40 dólares." Aquelas árvores da minha infância e de Barto, as Elaeis guineensis, que carregam cachos de bagos, deixam de fornecer mercados à beira das estradas para passar para os do meio da estrada. O meu dendém, semidoce, quando bago, azeite de empurrar fuba e quiabos, viscoso e bom de lamber, vai cadenciar bielas e manivelas, pôr motores a funcionar. O oil, leia-se petróleo, que a União Europeia promete substituir em 10 por cento, até 2020, virá em parte das palm oil, das palmeiras-dendém. Passagem directa das mesas para as estações de serviço. Biocombustível, chamam-lhes eles.

Já acontece com o milho, encarecendo as tortillas, e com o açúcar, encarecendo as caipirinhas. Também biocombustíveis. Reparem, tem uma vantagem esta substituição do petróleo. Sempre posso ir às lojas de Londres e ver menos aqueles fantasmas ambulantes tapados da cabeça aos pés, a comprar lingerie que só os maridos ricos vão ver. Se os biocombustíveis fizerem ricaços nas terras deles, como fizeram nas arábias, verei, nas lojas de Londres, coloridas mexicanas e pernambucanas que não se importam de me mostrar para onde vai o dinheiro dos maridos. Essa é uma vantagem. Mas será que essa derrota dos petrodólares tem de ser feita à custa da boa mesa? Porquê o milho, o óleo de palma e o açúcar, a atestar os depósitos? Não é possível fazer biocombustíveis de coisas detestáveis como os brócolos?|

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