Lagoa da Ervedeira. A praia fluvial que ganhou vigilância este verão 

A morte por afogamento de um jovem, no ano passado, reacendeu uma pretensão antiga: a vigilância da Lagoa da Ervedeira, que finalmente é considerada praia fluvial.
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Foram anos de luta, num espera-desespera que só este verão terminou: a 1 de julho entrou ao serviço a primeira equipa de nadadores-salvadores do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN) na Lagoa da Ervedeira, finalmente considerada praia fluvial. Até 10 de setembro, os muitos veraneantes que sempre procuraram a Lagoa como alternativa à praia (ali tão próxima), podem tomar banho com outro descanço.

O processo, que se arrastou durante anos, ganhou alento há cerca de um ano, na sequência de (mais) uma tragédia: um rapaz de 35 anos morreu afogado nas águas da Lagoa. Na altura, todos tiveram a convicção de que a presença de vigilantes - de regras - poderia ter evitado o pior.

A notícia trouxe particular satisfação a Virgílio Cruz, presidente do GALE (Grupo de Amigos da Lagoa da Ervedeira), que nos últimos anos tudo fez para a manter num espaço aprazível, especialmente depois do incêndio que destruiu quase por completo todas as infraestruturas circundantes, bem como o arvoredo.

Alexandre Vieira, de apenas 19 anos, é um dos dois nadadores contratados pelo Município de Leiria para assegurar a vigilância de uma das línguas de areia. Conta ao DN que estas primeiras semanas têm sido tranquilas. Está de olhos num grupo de crianças que chapinha nas águas, numa zona delimitada. Há várias famílias, um grupo de idosos, e muitos trabalhadores da região aproveitam a hora de almoço para desfrutar do parque de merendas, ou do bar de apoio à praia fluvial, junto à Casa do Guarda.

O Grupo de Amigos da Lagoa nasceu por volta de 2014. "Ao longo dos anos vimos que a quota de água estava a descer drasticamente, muito por causa da falta de limpeza das linhas de água, das valas. Começámos a discutir em conversa de café. E depois fomos pedindo autorização aos proprietários confinantes, e abrindo as linhas de água", conta Virgilio Cruz ao DN.

Aquele foi o ano mais chuvoso de que há registo nos recentes. "Percebemos por onde a chuva passava e fomos abrindo. E nesse ano tivemos uma subida de quota de dois metros. Funcionou. É por isso também que hoje temos o sucesso que temos", sublinha, englobando também a boa-nova da vigilância.

"Desde 2018 temos uma quota máxima de dois metros e meio sempre estável", adianta o presidente do GALE. Em 2017, depois do incêndio, o grupo constituiu-se oficialmente como associação: "Quando aconteceu aquela tragédia, arregaçámos as mangas".

Natural do lugar da Ervedeira, freguesia do Coimbrão (a caminho da Praia do Pedrógão), Virgílio Cruz vive na Lagoa desde criança. Foi ali que aprendeu a nadar, a mergulhar, a saltar de uma prancha improvisada. "A minha ligação existe desde que me lembro. Os meus pais eram agricultores, tinham uns terrenos nas margens. E quando eu era pequenino, enquanto os meus pais iam trabalhando a terra, cultivando milho, eu ia para a Lagoa sozinho".

E assim a paixão pela zona foi crescendo. Não só pela água como pela natureza envolvente, a fauna e a flora que conhece como ninguém.

"Ao longo dos tempos fui criando laços com a própria lagoa", afirma, ele que também explora o bar de apoio, já há algum tempo.

Há uns anos, uma doença renal obrigou-o a deixar de trabalhar enquanto motorista de distribuição. "A doença levou-me a ficar em casa muitos anos. Tinha que arranjar uma alternativa e manter-me ocupado. Juntei o útil ao agradável: uma ocupação, e mantenho-me mais tempo junto à Lagoa", explica.

A Lagoa da Ervedeira, de água doce, a caminho da praia do Pedrógão, é o lugar onde o sol descobre mesmo quando a meia dúzia de quilómetros tudo é nevoeiro ou vento. "É um ecossistema único, com uma fauna e uma flora muito particulares", referem os amigos e voluntários que têm cuidado dela ao longo dos anos.

Um deles é o engenheiro agrónomo Licínio Pereira. É ele o grande responsável pela vida das árvores sobreviventes. Mora perto, conhece bem a mata nacional do Urso, e sabia que, se não regassem as árvores, secariam todas.

Percorre com o DN a zona envolvente da Lagoa onde crescem agora pinheiros (mansos e bravos) e medronheiros. "Plantaram-se 650, sobreviveu metade", conta. São os medronheiros que deverão crescer mais rápido, e é neles que deposita a esperança de lhes saborear a sombra, "talvez daqui a 10 anos". Os pinheiros demorarão 20, pelo menos.

Entre a Lagoa e o passadiço, Licínio consegue regar tudo sozinho. Fá-lo amiúde, por vezes com a ajuda do filho. Mas para regar tudo de forma intensa são precisos mais braços. É por isso que o GAEL promove campanhas, ocasionalmente, para juntar voluntários e regar todas as árvores.

"Comecei a sentir necessidade de acudir a isto", sublinha Licínio Pereira, que tal como Virgílio sente a Lagoa como sua: "Para já tenho três condições essenciais para isto: tempo, gosto e saúde".

Os últimos dados apontam para uma afluência média diária de 700 pessoas durante o verão. O areal estende-se por cerca de 2km. O espelho de água doce (que varia entre 12 e 17 hectares) convida a banhos.

Nos anos recentes, sem nunca desistir da vigilância, o Município de Leiria foi embelezando o espaço. Entretanto, duas empreitadas, ambas objeto de candidatura do Turismo de Portugal, no valor total de 270 mil euros, fizeram a diferença. Incluíram a construção de um novo percurso pedonal sobrelevado, com melhores condições de acesso a pessoas com mobilidade reduzida, "de modo a proteger a Lagoa e a sua envolvente"; a melhoria dos acessos, a construção de um novo Observatório de Aves preparado para pessoas com mobilidade reduzida, e diversas zonas de lazer com respetivos equipamentos (pérgolas, sinalética, papeleiras e bancos), além da construção de novos pesqueiros, com melhor estabilidade e mais adequados às necessidades dos muitos pescadores que procuram a Lagoa.

paula.sofia.luz@ext.dn.pt

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