Lady Gaga soterra a música em Joanne
Lady Gaga cumpre há oito anos uma intensa exposição mediática. Consumado o rompimento com o anonimato por via do fenómeno do single Poker Face, tem sido rara a semana em que Gaga não se faz notar, à custa de uma máquina propagandista de publicidade gratuita, que pode ser confundida com irreverência.
Tal como outras tantas celebridades, Lady Gaga sabe que o ilusório desleixo com a nudez lhe confere imediata manchete. A cantora é repetente do wardrobe malfunction (disfuncionalidades de guarda-roupa que expõem as partes íntimas) e das opções braless (a dispensa de soutien), ao gosto das publicações de mexericos e não só. Mas o exibicionismo de Gaga não é meramente corporal. A cantora gosta de chocar através do repulsivo. É notícia pelo ritual satânico num quarto de hotel londrino, através de um banho de sangue. É notícia pelo vestido feito de carne. Vai sendo notícia. Vai sendo falada.
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Cada tatuagem nova também causa aparato junto dos media, sobretudo a de há alguns meses, de homenagem a David Bowie, que fez no seu corpo, da capa do álbum de 1973, Aladdin Sane. Lady Gaga compara-se mais a Bowie do que é comparada a ele por outros. A cantora tomou conta de um medley de tributo ao artista inglês na última cerimónia dos Grammys, que se tornou mais num tributo exaltado às suas capacidades vocais e ao seu ego do que ao Camaleão. E que levou o filho de Bowie, Duncan Jones, a trocar a habitual cortesia pela franqueza, criticando num tweet "o excessivo entusiasmo" da interpretação de Gaga.
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No seguimento destes contornos bowiescos, Lady Gaga apresenta-se agora neste quinto e novo álbum, Joanne, como uma artista diferente, mais próxima do country, a que não falta o grandalhão chapéu que lhe cobre a cabeça na capa. Mas o country é apenas uma técnica de marketing sobre a suposta personalidade camaleónica de Lady Gaga: Joanne é um disco de pura pop.
O início do álbum é até estranhamente comedido, na faixa inicial Diamond Heart, a dar um sinal do que poderia ser um amadurecimento de Gaga, em que a sua exuberância vocal não teria que atropelar a envolvência. E bem mais adiante, Come to Mama é uma boa canção, ao jeito de um musical, com saxofones em brasa, e em que Lady Gaga não entra em contramão exacerbada com a valia instrumental.
No resto, a excentricidade da estrela pop é uma autêntica praga. O tema-título Joanne e Million Reasons são os momentos mais introspectivos e acústicos, em que os beats repousam mas não a sua voz espampanante. John Wayne e Perfect Illusion são outros suicídios pop, com Lady Gaga a borrar a pintura com a sua incontinência exclamativa. Sinner"s Prayer, co-escrita por Joshua Tillman (mais conhecido por Father John Misty) e com as guitarras slides bem audíveis, ainda poderia reclamar alguma ambiência country, apesar da perturbação do protagonismo vocal de Gaga.
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Se Lady Gaga quer, Lady Gaga tem. E, por isso, contou com alguns nomes de elite na co-autoria de vários temas de Joanne. Mas Kevin Parker (dos Tame Impala), Beck ou Josh Homme (dos Queen of the Stone Age) fazem-se notar mais nos créditos do que propriamente nas direcções das músicas, abafadas pela exuberância mais histérica de Gaga. E na canção Hey Girl, mal se dá que é um dueto com Florence Welch (dos Florence + The Machine), tão similares são as vozes de ambas.
Tudo o que Lady Gaga faz, é com estrondo, mas com um peso de personalidade que soterra a própria música. Joanne é só mais um capítulo.