"O seu cão concorda com o Brexit?"
Todas as formas legais de lutar contra o Brexit são bem-vindas, alegam os defensores da manutenção do Reino Unido na União Europeia. Por isso, lembraram-se de mais esta: cães com consciência política. Porque, alega o movimento Wooferendum, os animais de estimação não foram ouvidos no processo. A ideia está carregada de ironia, claro, até porque o que pretendem é sensibilizar a opinião pública. O resultado superou as expectativas.
Domingo, 10 de março, meio-dia em Londres. Nos jardins de Victoria Tower, junto ao Parlamento, há bandeiras azuis com estrelas da União Europeia, umas duas centenas de pessoas com cartazes, uma grande mesa com toalha branca e tigelas prateadas, muitos fotógrafos, jornalistas e... cães com fartura. Quem passa em Abingdon Street vira a cabeça para a chinfrineira dos cães a ladrar, excitados com toda aquela confusão. Não é para menos. É para eles que a mesa está posta. Está servido o dog's dinner e os animais têm fome.
O que os leva ali numa manhã de domingo, porém, é outra coisa: estes cães são pró-europeístas e têm motivações políticas. Quer dizer, os seus donos têm motivações políticas. Os cães são só um pretexto.
"Brexit is a dog's dinner", lê-se em letras grandes. Um dog's dinner é uma confusão, uma expressão inglesa que traduz uma grandessíssima bagunça, ainda que rodeada de alguma pompa. Os cartazes naquele relvado à beira do Tamisa e o mordomo vestido a rigor a servir latas de comida para cães são, por isso, uma mensagem política: o Brexit é uma trapalhada, defendem os donos dos cães.'
A iniciativa faz parte do movimento Wooferendum, criado em outubro de 2017 por Daniel Elkan. "Não sei se sonhei com cães, mas acordei um dia com aquilo na cabeça." Pegou num cartão e escreveu "Stop Brexit". E depois: "#wooferendum".
Daniel, que é contra o Brexit e votou para o país ficar na União Europeia no referendo de 2016, achava que não se falava o suficiente sobre o assunto. "Era uma espécie de tabu, as pessoas ficavam irritadas. É a vontade do povo e não se podia parar, diziam. O "sair" tinha ganho, mas isso não significava que não pudéssemos discutir o tema. E quem disse que era impossível fazer novo referendo?" Então, porque não servir-se dos animais de estimação para isso?
Daniel, que não tem cães mas garante que gosta deles, foi para a rua com o papel, em West Hampstead, no norte de Londres, onde vive, e dirigiu-se aos vizinhos que passeavam os animais. "O seu cão tem alguma coisa a dizer sobre o Brexit? Ele foi consultado? As pessoas riam-se e começavam a falar sobre isso." E ele começou a fotografar os animais e a partilhar as imagens nas redes sociais.
A reação foi tão boa que Daniel - um ativista ambiental de 45 anos que luta contra o plástico e o desperdício alimentar e que ganha a vida a escrever sobre viagens de comboio para estâncias de esqui (em vez das viagens de avião, mais poluentes) - imprimiu uma série de imagens de cães com o cartão #wooferendum e começou a colá-las em paragens de autocarro. Durante cinco ou seis meses a coisa ganhou vida. "Até conseguia falar com donos de cães que eram a favor do Brexit. Conversas civilizadas sobre os prós e os contras e a desastrosa campanha pelo "ficar", conduzida por James Cameron [ex-primeiro-ministro], que foi uma nódoa, comparada com a agressividade e as fake news do lado do "leave" [sair]."
No verão de 2018, Daniel criou o site www.wooferendum.org para espalhar ainda mais a mensagem: os cães do Reino Unido queriam um novo referendo sobre o Brexit. Fez um vídeo que atingiu em pouco tempo as 400 mil partilhas em várias plataformas e aquela ideia que misturava "um pouco de humor com alguma esperança louca" começava a ganhar forma. As pessoas estavam a falar sobre o assunto. E a partilhar as fotografias dos seus labradores, cockers, dálmatas e rafeiros, todos com a mesma mensagem.
Entretanto, parecia que o assunto dos cães não era tão disparatado assim, como veio mostrar Dominic Dyer, um defensor dos direitos dos animais que se juntou ao movimento. E o Wooferendum passou também a chamar a atenção para os efeitos que o Brexit poderá ter nos animais de estimação nas Ilhas Britânicas: o fim do Pet Travel Scheme, que permite a livre circulação de animais de companhia entre o Reino Unido e a Europa continental; o regresso de períodos de quarentena; dificuldades para veterinários estrangeiros e para pequenas e médias empresas do ramo; nova legislação para um setor sobre o qual que a UE tem medidas muito claras, etc.
Em outubro, Daniel e o grupo de "dez ou doze dinamizadores que entretanto se juntaram" organizaram um protesto em Trafalgar Square que atraiu "três mil pessoas e muitos cães". As notícias davam conta de "centenas de cães contra o Brexit a marchar até ao Parlamento" e chegaram em poucas horas a Espanha, ao Brasil, à Namíbia ou à Austrália. Em todos estes países havia mais fotografias de mais cães com a hashtag #wooferendum. No dia 10 de março o movimento organizou o almoço Brexit is a Dog"s Dinner, junto ao Parlamento e, na People"s Vote March, no sábado passado, os cães e donos do #wooferendum juntaram-se ao milhão de manifestantes (segundo a organização) a pedir um segundo referendo.
Nos últimos tempos surgiram outras formas originais de falar contra o Brexit, carregadas de humor e ironia, bem ao jeito inglês. Como os autocolantes amarelos "Bollocks to Brexit" (vernáculo para "testículos"), os vídeos Three Blokes in the Pub, partilhados no YouTube, os cartazes "Led by Donkeys", com frases hilariantes e pouco informadas ditas por defensores do Brexit, e até uma boy band, os Breunion Boys, a cantar e a dançar contra o divórcio do país da Europa dos 27 (26?). "O Wooferendum é apenas mais uma maneira de chamar a atenção para este disparate", diz Daniel.
* Em Londres