Laços de família

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Na FNAC, se quisermos um salgadinho, há que pagá-lo. Merece um croquete de lata

Francisco Teixeira da Mota é advogado mas escreve bastante bem. Posso aliás assegurar-vos, depois de uma cuidada análise aos membros da família que conheço, que tanto eles como elas partilham de um mesmo e raro gene com o poder de repelir a mediocridade. Pensei até recomendar-lhes a doação dos seus cérebros à ciência, mas temo ser mal interpretado.

O Francisco, que percebe a potes de astrologia e é Virgem de ascendente Peixes (seja o que for que isto signifique), tornou-se notado pelas crónicas no Público desde a origem e conhece muito bem os jornalistas, essa classe isolada do mundo por uma caneta.

No entanto, foram raros os que compareceram no café da FNAC no Chiado, onde uma asfixiante temperatura mais convidava ao cultivo de plantas exóticas do que à apresentação de outro livro sobre Alves Reis (parece que agora já não se diz "dos Reis"), essa insigne e incompreendida figura da nossa História fiduciária e um homem com uma profunda paixão por quinhentolas.

Um dos poucos escribas da imprensa a dizer "presente" foi Rodrigues da Silva, editor de sempre do Jornal de Letras e a quem só não cumprimentei para evitar interromper-lhe a prática de uma antiga técnica de meditação Zen.

Lá estava também o José Vaz Pereira, um decano da nossa imprensa e o crítico mais estimável do País. Abracei-o sem mostrar um pingo de remorso pelo livro de Tom Wolfe que me emprestou há zilhões de anos e que nunca devolvi.

Como me disse Marcelo Teixeira, o algo perplexo editor da Oficina do Livro, quando lhe expliquei a ideia desta página: "A estas situações vêm normalmente a família e os amigos." E assim foi. João Amaral, homem forte do Grupo Leya de Miguel Paes do Amaral, lá estava. Não na qualidade de editor rival, mas sim na de cunhado do autor. E Manuel Lencastre, economista e figura conhecida do PSD, também ele atado por laços de família ao Francisco.

Vi passar Jacinto Lucas Pires, que andava às compras tentando com sucesso passar desapercebido, e travei uma pequena conversa com o Nuno Artur Silva sobre as razões da sua não contratação pela RTP e a vontade que tem de encontrar os próximos "Gato Fedorento". Entretanto, a cerimónia começou.

Nestas coisas, o modelo repete-se, inalterável. O editor fala, o apresentador fala e o autor fala, por esta ordem exacta. No caso concreto, o apresentador falou muito. Parece que José António Barreiros já é o autor de 15-blogues-15 mas a prolixidade da sua escrita não é nada quando comparada com a oratória. "Estamos a ficar mais velhos por fora", disse ele pouco simpaticamente ao autor, "mas continuamos jovens por dentro". Ele e Teixeira da Mota partilham um passado que inclui momentos dificilmente olvidáveis. Como aquele em que se riram, "ambos, ante a Paula Moura Pinheiro". De acordo com Barreiros: "Na aparência, Francisco Teixeira da Mota é advogado." Discordei cá com os meus botões porque o Francisco, na aparência, parece mais um simpático académico. Mas enfim.

Quando o apresentador desatou a explicar o que é juridicamente uma burla ainda temi pela vida. Mas admito que o discurso incluiu momentos jocosos, como sermos informados de que o Procurador do caso contra Alves Reis dava pelo nome de Jerónimo de Sousa...

Encostado à parede, um Ricardo Sá Fernandes indiferente ao calor e ar rive gauche reforçado pelo cachecol blasé, sorria sempre. E de forma mais alargada ainda sempre que Barreiros reiterava: "O que torna a burla um crime atraente é ser praticado por pessoas inteligentes." Como há quem diga que Sá Fernandes é uma pessoa inteligente, espero que se mantenha do lado certo da lei. Achei o sorriso suspeito.|aquihacroquetes@gmail.com

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