"La La Land": a nostalgia num filme onde o amor é uma canção
A nostalgia vende. Seja mais ou menos sincera, mais ou menos conseguida, o facto é que vende. Num passado não muito longínquo, vimos O Artista (2011), filme vencedor da 84ª edição dos Óscares, deixar essa ideia bem presente, ao ser considerado filho legítimo do cinema mudo, pelo simples efeito de uma reconstituição. À sua maneira, por estes dias é La La Land: Melodia de Amor (estreia quinta-feira) que, na sedutora memória dos musicais, e já com sete Globos de Ouro arrecadados, pisca o olho à estatueta das estatuetas...
Pode dizer-se que Damien Chazelle, o jovem realizador que se revelou com Whiplash - Nos Limites (2014), teve grande presciência na recuperação de uma forma de "magia cinematográfica" hoje em dia quase esquecida entre os conceitos das grandes produções. E essa magia, além de visual, consiste em captar qualquer coisa da essência de um tempo que não é o nosso, embora La La Land componha a sua malha romântica na contemporaneidade. Falamos então de nostalgia? Uns serão impelidos por tal promessa inscrita no cartaz, outros desfrutarão da frescura que cruza esse explícito charme memorialista. O resultado, admita-se, é cativante.
Depois da comédia Amor, Estúpido e Louco (2011) e Força Anti-Crime (2013), esta é a terceira vez que Emma Stone e Ryan Gosling se apaixonam na grande tela. Desta feita, tudo é mais deslumbrante, criativo e, por isso, exigente. Ela chama-se Mia, é uma aspirante a atriz, que por enquanto trabalha na cafetaria dos estúdios Warner Bros., persistindo na concretização do sonho com sucessivas audições; ele, Sebastian, um solitário pianista, amante do jazz que, apesar de frustrado, ainda conserva o desejo de abrir o seu próprio clube em Los Angeles. A cidade junta-os, pela primeira vez, na agressividade das filas de trânsito, e depois, num restaurante onde, ao piano e à rebelia do patrão, ele toca uma melodia sua, que acelera o coração dela... Mas é despedido no momento, e passa de raspão sem dar pela presença feminina mais graciosa daquele salão, mesmo à sua frente.
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Duas falsas partidas. Contudo, no encontro seguinte a desforra é encantadora: um número de dança debaixo de um céu rosa de fim de tarde, em que, não senhor, não vislumbramos réplicas do par Fred Astaire e Ginger Rogers, mas sim atores na sua comovente vulnerabilidade, com vozes tímidas e passos prudentes. Aliás, é justamente por não exigir perfeição aos seus protagonistas que La La Land, às vezes quase a sucumbir numa turística correspondência com o passado, é capaz de conservar o semblante da autenticidade.
Entre algumas referências intuitivas aos clássicos da velha Hollywood, como Casablanca (1942), As Duas Feras (1938), ou Fúria de Viver (1955) - este último servindo de pretexto para outra bela sequência musical - o filme de Chazelle vai concentrado uma mensagem clara, um espírito de resistência, através da história deste dueto Mia/Sebastian. Ambos representam, por um lado, a crença nos sonhos, e por outro, a convicção de que a pureza de certos valores culturais e artísticos deve ser preservada. Resta descobrir como se conjuga e retrata aqui o amor.
No fim, quando vamos para casa com as imagens do filme na cabeça, o que nos fica gravado com mais substância é o jogo de cores à Jacques Demy (As Donzelas de Rochefort, Os Chapéus de Chuva de Cherburgo...) e a canção City of Stars, claramente a pedir mais qualquer coisa depois do Globo de Ouro. As vozes de Emma Stone e Ryan Gosling carregam a melancolia dos amantes. E talvez o amor seja isso mesmo: uma canção.
Quanto à nostalgia - e havíamos de regressar a ela -, Chazelle cravou-a no próprio argumento. Um diálogo em que Mia, nas vésperas de subir ao palco sozinha para encenar um monólogo que escreveu para si, confessa a Sebastian: "Isto parece-me muito nostálgico." Ele responde: "O objetivo é esse."