Kylie Minogue: Até que idade pensa divertir-se?
Começa com uma guitarra sabiamente despida de efeitos e segue com "palminhas olaré", além de uma vocalização mais "terrena" e menos etérea do que é habitual - está dado o mote para a descoberta do Oeste por Kylie Minogue, num disco que abre as comemorações do trigésimo aniversário de edições da princesinha pop que conquistou o mundo a partir "lá de baixo". Significativamente, Golden ganha um subtítulo que confirma o que já estava à mostra: "The Nashville Album". Não mente: se houve partes, efeitos e retoques registados em Londres e em Los Angeles, o essencial deste regresso da cantora foi mesmo gravado na mítica cidade do Tennessee, considerada o coração da country music. O ambiente terá sido determinante, por exemplo, para a conceção do videoclip de Dancing, o primeiro single, em que Kylie, de vestido curto e botas "vaqueiras" abaixo do joelho, vê na TV uma artista - a mesma Kylie -, também de vestido curto e botas do mesmo corte, com uma flor no cabelo e empunhando uma guitarra decorada com elementos country. Para depois tudo convergir para uma dança que não é mais do que uma forma estilizada da velha quadrilha que tantas vezes vimos nos westerns clássicos. De resto, o tom de "coboiada" haverá de regressar e, nalgumas ocasiões, como A Lifetime to Repair ou One Last Kiss, isso acontece de forma explícita. E nem por isso sensaborona, adiante-se.
Claro que os habituais frequentadores das propostas de Kylie, pelo menos desde o ano 2000, estranharão a falta de sequência para a meia dúzia de êxitos mais marcantes de uma carreira que, recorde-se, começou no post-disco de Stock, Aitken e Waterman, também designado (de forma mais radical) como "pop pastilha elástica". Não há, agora, nada que nos remeta expressamente para Spinning Around, On a Night Like This, Can't Get You Out of My Head, Slow, Red Blooded Woman ou In My Arms. Ainda assim, com alguns trejeitos e maneirismos, será Raining Glitter aquela que mais se aproxima dos cânones de Minogue, com uma batida mais pronunciada - e não espantará que venha a tornar-se no terceiro single escolhido para saltar deste álbum, depois da já referida Dancing e de Stop Me from Falling. Mas, em boa verdade, não é a primeira vez que Miss Minogue se aparta da sua zona de conforto. Começou por fazê-lo em nome da "maturidade", há duas dúzias de anos, com o álbum Kylie Minogue, que pretendia romper com o passado de "duquesa do descartável". Repetiu a dose no assumidamente experimental Impossible Princess, que até mudou de título nalguns países, para não "chocar" com a morte de Diana, princesa de Gales.
A onda country
Acontece que, desta vez, Kylie não se furta a seguir uma tendência emergente noutros cantores pop que têm em comum uma total ausência de relação anterior com a estética country. Há quase 30 anos, houve muita - e boa - gente do rock que incorporou elementos dos (então) jovens turcos do Alt Country (ou "country alternativo) como Steve Earle, Dwight Yoakam ou Randy Travis. Nos nossos dias, a rendição aos códigos - revistos - de Nashville e arredores já deu sinais exteriores óbvios nos passos mais recentes de Gwen Stefani (que foi voz do No Doubt), de Miley Cyrus, porventura cansada de polémicas e saudosa das suas raízes familiares (o pai é o cantor country Billy Ray Cyrus), e, sobretudo, de Justin Timberlake, que estarreceu toda a gente com a preponderância orgânica e as brisas de country que temperam uma sólida aventura chamada Man of the Woods. Apesar de tudo, estes três parceiros "acidentais" são todos norte-americanos e tanto Timberlake como Cyrus são mesmo nativos do Tennessee, o estado onde fica Nashville. Já Kylie Ann Minogue nasceu em Melbourne, a 28 de maio de 1968 (está à porta o 50.º aniversário), e vive há três décadas no Reino Unido. Mas, como se confirma, a música não tem fronteiras...
Obstinadamente solteira, apesar de alguns envolvimentos públicos, resistente ao ponto de ter vencido um cancro da mama que lhe foi detetado em 2005, empresária de êxito (roupas e perfumes em linhas próprias), frequentemente solidária (sobretudo no auxílio aos financiamentos de pesquisas que visam combater doenças), ícone da moda, Kylie Minogue é muitas vezes comparada a Madonna. Até porque, não sendo ambas virtuosas do canto, alcançaram uma longevidade fora do comum, sempre dentro dos favores do público. A esse respeito, a australiana comenta, com humor: "Madonna é a rainha da pop. Incontestável. Eu já fico muito satisfeita por ser a princesa...".
Quem a descobrisse agora, perante este Golden, poderia pensar num roteiro contrário ao de Taylor Swift - se Minogue abraçou a country, Swift parece fugir dela a sete pés. Ironicamente, há uma canção deste disco, Shelby '68, em que a voz que conhecemos há três décadas em I Should Be so Lucky se aproxima da da sua jovem "concorrente". Da mesma forma que já foi referido que Music's too Sad without You, em dueto com Jack Savoretti, parece uma cantiga de Lana del Rey. Pouco importa, afinal: Golden é, com algumas imperfeições e não menos exageros, com a surpresa de ouvir Miss Minogue aqui e ali enquadrada por banjos e violinos, uma prova de vida e, sobretudo, de vitalidade inquieta. Com a certeza, para quem ouve, que uma das primeiras questões que pode colocar-se é a mesma, eu lançava um anúncio, há alguns anos: até que idade pensa divertir-se? Arrisque-se uma declaração de voto: que não tenha pressa, que ainda está para as curvas. Todas as curvas.