Krasnogorsk. Quem atira Ivan Drago ao chão?
Adriaaaaaaaaaan. Adriaaaaaaan. Adriaaaaaaaaaaaaaaan. Calma, estou bem. Ainda. Exercito só a voz como se fosse o Rocky Balboa. Até porque estou em Krasnogorsk. Onde? Isso mesmo, Krasno-e-troca-o-passo. À boleia do Kyril, o motorista russo com uma televisão dentro do táxi para acompanhar os jogos do Mundial. Ele é adepto da Itália pelas férias no Vale de Aosta durante cinco Verões seguidos, da Holanda pela cor da camisola e, agora, de Portugal em nome do cliente mais regular. Hoje, por exemplo, quero ir a Krasnogorsk. Onde?
Again, essa pergunta? Ali a 60 km do aeroporto moscovita Domodedovo. E o que se faz por lá? Agora agora agora, nada. Há uma pista de esqui bem visível de qualquer ponto estratégico da cidade e, ao lado, um ringue de boxe. Cuidado, isto tem os seus quês. De Queiroz e Quaresma? Nãããããããã, longe disso. Aqui o boxe é a sério, daí Adriaaaaaaaaan. O português do amarelo mais super-sónico na história dos Mundiais (substitui Moutinho aos 89' e vê o cartão aos 90'+2)? Nãããã, esse é Adrien. E é um homem. O grito de guerra Adriaaaaaaaaan prende-se com uma senhora: Adrian Pennino, a companheira de Rocky Balboa. Ah pois éééé, Krasnogorsk é a cidade onde Rocky estagia antes do combate com Ivan Drago.
[youtube:b2iSEbKcRwY]
Bem sei bem sei, o emocionante Adriaaaaaan é o ponto final do primeiro Rocky. Só três Rockies depois, o IV portanto (isto pia mais fino com numeração romana), é que o soviético Ivan Drago entra em cena. Muito se discute sobre o inglês macarrónico de Ivan Drago. Que só diz quatro/cinco frases, entre 'if he dies, he dies', 'you will loose', 'i must break you', 'to the end' e ''come on, fight, fight'. Até é verdade, e Rocky diz quantas em russo? Nem uma. Posto isto, o Ivan Drago é o quê? De que país, pergunto? Sim, porque no dia de Natal em 1991, um senhor chamado Mikhail Gorbachov (o da perestroika, reconstrução económica, e o da glasnost, transparência política) anuncia o fim da URSS. Desaparece um país do tamanho de um continente, nascem 15 estados independentes. Perde-se o encanto, desportivamente falando. Sim, Drago é o quê exatamente: russo, geórgio, ucraniano, bielorrusso, estónio, lituano, letão, estónio, cazaque, usbeque, moldavo?
Adiante. Seja o que for, Ivan Drago (a insistência no nome completo é um hábito irritante, não é?) acumula o ouro olímpico com a espantosa marca de 100 vitórias por KO em 101 combates - o outro é TKO (knouckout técnico) e desfaz Apollo Creed num espetáculo à americana com James Brown metido ao barulho. A desforra marca-se para o outro lado do mundo e Rocky desembarca em Moscovo com um frio dos ananases (desculpa lá esta trivela ò Eça). Os dias de treino passam-se invariavelmente num cenário rústico, pobre, no meio do nada. Só branco à volta - calma, é neve. No dia do combate, a atmosfera aquece. E de que maneira.
Nas bancadas, por assim dizer, a esmagadora-ora-ora-ora maioria é da CCCP. No chance. O público puxa por Ivan Drago como se não houvesse amanhã. Dra-go, Dra-go, Dra-go. O nosso Rocky Balboa apanha todos os golpes e mais alguns sem se queixar nem grunhir o que quer que seja. Passa um assalto. Dois. Quatro. Oito. Ao 15.º, o pavilhão já está dividido. Há cccp's a admirar Rocky e, espante-se, alguns até puxam por ele. De repente, o inesperado: Ivan Drago vai ao chão. Numa sequência improvável de murros indefensáveis, Rocky Balboa vence o combate e faz o discurso da praxe virado para a guerra fria. "I came here tonight, I didn't know what to expect. I seen a lot of people hate me and I didn't know what to feel about that so I guess they didn't like much nothin' either. During this fight, I've seen a lot of changing, the way you felt about me, and in the way I felt about you. In here, there were two guys killing each other, but I guess that's better than 20 million. I guess what I'm trying to say, is that if I can change, and you can change, everybody can change!"
Campeão das palavras, isso sim. E então, tanto parlapié para quê? Calma rapazes, isto vai ao sítio. Com calma, vai lá. Ora bem, para início de conversa, Rocky faz hoje 73 anos. Para a prolongar, Sylvester Stallone faz hoje 72 anos. Para terminar, o ambiente do pavilhão está muito Ivan Drago. Seja em Petersburgo, Moscovo, Sochi ou Nizhny Novgorod, os gritos da Raaaassia reproduzem-me cada vez mais. Sempre com força e insistência. É o fator cada a ditar leis. A Rússia sem pés nem cabeça antes do Mundial (só uma vitória - 4-2 à Coreia do Sul - em 10 jogos) está animada como nunca. A expectativa de chegar às meias-finais pela primeira vez desde 1966 dá azo a manifestações exteriores no meio do nada. Tanto na Praça Vermelha às duas da manhã como na Avenida Nevsky às 1500. O efeito Ivan Drago está presente, resta saber se há Rocky Balboa para a encomenda. Fala-se da Croácia. E bem. O futebol croata é encantador, por natureza. Há talento de sobra, a começar pela baliza - afinal, Subasic é o único guarda-redes dos ainda oito finalistas com um golo marcado.
Como é que é? Chama-se Danijel Subasic. Claro que isto escrito à croata com um acento circunflexo ao contrário em cima do segundo "s" e um acento agudo em cima do "c" tem muito mais piada. Dito então nem se fala. Que tenha o homem a palavra, a respeito do tal golo. "Estava já um pouco cansado de ficar lá atrás. A vida de um guarda-redes é ingrata, sabes. Apareceu aquele livre, eu pedi para marcar, corri 70/80 metros até à entrada da outra área e arrisquei. Parecia o xxxxxxxx..." Quem? Não percebi, mais devagar. "Rogério Ceni." Ah sim, esse tem mais de 100. "É um grande, tem mais golos de livre que de penálti. Aquele pé direito é uma maravilha." Como o teu? "Nããã, viste bem o meu? Foi simples, nada de bola ao ângulo superior. Remate rasteiro e já está."
Quando mesmo? É a 18 maio 2012, última jornada do campeonato. Subasic marca o definitivo 2-1 a favor do Monaco. No dia seguinte, o treinador Marco Simone é despedido. Entra para o seu lugar Claudio Ranieri, que seria campeão francês na época 2012-13. Agora, o treinador de Subasic é Leonardo Jardim. Adiante, a Croácia tem um goleador na baliza. Daí para a frente, há Modric, Rakitic, Perisic e Mandzukic. Todos eles com golos no Mundial 2018. Classe aos montes. Rocky, estás aí?