Kabila ou o poder aos 29 anos e a presidência permanente aos 45

É hoje o último dia do segundo mandato de Joseph Kabila. Mas as eleições na República Democrática do Congo continuam por marcar. E tudo indica que o presidente fica, até para defender os interesses da família.
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Joseph Kabila está na presidência da República Democrática do Congo (RDC) há 15 anos, depois de ter sucedido ao pai, Laurent, vítima de atentado em janeiro de 2001, e ganho as eleições de 2006 e 2011. O seu segundo e último mandato de cinco anos termina hoje e a Constituição proíbe o presidente em exercício de se apresentar a um terceiro. Mas Joseph, de 45 anos e que se tornou presidente aos 29, está determinado a continuar no poder.

Primeiro, até abril de 2018. Agora, a data proposta no quadro de negociações com a oposição, mediadas pela Conferência Episcopal Nacional (CEN), já é novembro do mesmo ano. As negociações estão suspensas até terça-feira. Mas ninguém acredita que Kabila sairá pacificamente ou que não tentará alterar a Constituição para permanecer no palácio presidencial em Kinshasa. A maioria das forças políticas insiste na sua saída e vive-se uma situação tensa em boa parte do país, com os congoleses a armazenarem enlatados, arroz e massa à espera do pior.

Em setembro, quando se tornou óbvio que o presidente não estava disposto a sair, várias manifestações por todo o país causaram 53 mortos. O receio, hoje, é o de que mais manifestações produzam ainda mais mortos - a principal coligação da oposição já disse que não sairá à rua em protesto para evitar dar ao governo "uma oportunidade para disparar contra a população". Aquela que seria a primeira transição pacífica de poder na história do país parece, em definitivo, comprometida.

O anterior surto de violência, após as presidenciais de 2011 em que Étienne Tshisekedi, principal figura da oposição, recusou aceitar os resultados, considerando-os manipulados, causou mais de 30 mortos. Tshisekedi, que exigira sem sucesso a transmissão em direto pela televisão das negociações mediadas pela CEN, insiste para que Kabila afirme publicamente que não será candidato e marque as eleições. O presidente, na única intervenção pública feita em 2016, a 15 de novembro, perante as duas Câmaras do Congresso, conseguiu dizer uma coisa e o seu contrário, mas foi cristalino em dois pontos: o país não pode ficar "refém de uma fração da classe política" e não serão toleradas as tentativas de "tomar o poder pela força" ou "outras vias antidemocráticas". Um aviso claro à oposição de que a contestação nas ruas será enfrentada da maneira habitual - o recurso às forças de segurança.

O presidente e o governo têm justificado o adiamento com o atraso na atualização dos cadernos eleitorais em resultado da redefinição da divisão administrativa do país, que passou de 11 para 26 províncias. Uma reforma que deveria ter sido iniciada em 2007 mas que, segundo a oposição, foi protelada até recentemente para justificar a não realização de eleições no prazo previsto.

Mas o que está realmente em causa não é a Constituição. Como continua a ser a tendência maioritária em África, é a síntese de interesses pessoais, políticos e económicos que acaba por conduzir à patrimonialização do aparelho de Estado e dos recursos de um país.

O caso de Kabila é disso exemplo. Uma recente investigação da agência Bloomberg veio revelar a dimensão da presença da família do presidente na economia do país, que é hoje o principal produtor africano de cobalto, cobre e estanho. São mais de 70 empresas, com particular destaque no campo da exploração do ouro, diamantes e outros minérios. Além deste setor, Kabila, a mulher, os dois filhos do casal (menores e representados pela mãe) e oito irmãos têm interesses em bancos, explorações agrícolas, operadoras aéreas, construção, hotelaria, farmacêuticas, combustíveis, agências de viagem, moda, restaurantes e discotecas, segundo a Bloomberg. De acordo com a agência, os lucros de duas empresas no setor mineiro somaram, em quatro anos, 335 milhões de euros. A agência recorda que dois terços dos congoleses vivem com o equivalente a 1,8 euros/dia.

A atuação da família Kabila na economia foi iniciada ainda no tempo do pai de Joseph, que, após assumir a presidência em 1997, começou a criar empresas - batizando-as com o nome de bases dos tempos de guerrilha de Laurent contra Mobutu. Por exemplo, segundo um seu biógrafo, Erik Kennes, citado pela Bloomberg, a base onde nasceram Joseph e a sua irmã gémea, Jaynet, Hewa Bora, deu o nome a uma companhia aérea.

As empresas, em especial aquelas que operam no setor mineiro, gozam da proteção de uma unidade de elite das forças armadas, a Guarda Republicana, igualmente empregue em ações de intimidação, por exemplo, a proprietários de terras renitentes em as venderem à família do presidente. Esta exige ainda comissões num montante tal que a diamantífera De Beers "não se sentia confortável" e, em 2009, suspendeu as operações no país. Perante este quadro, quem pode querer deixar a presidência?

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