Juventudes partidárias rejeitam serviço militar obrigatório. "Seria um retrocesso"
A falta de efetivos é uma realidade, mas voltar ao serviço militar obrigatório (SMO) está fora de questão. Para as juventudes partidárias, é uma hipótese que nem se coloca, já depois de a ministra da Defesa e do Presidente da República terem fechado a porta a essa possibilidade. "Voltar a torná-lo obrigatório é um retrocesso civilizacional. Não só não faz sentido como não se justifica", disse ao DN Sofia Lopes, dos Jovens do Bloco. Também Miguel Costa Matos, deputado e líder da Juventude Socialista, revela ser "contra a restituição do SMO" e, na sua perspetiva, "a ministra da Defesa soube muito bem afastar essa hipótese na sua audição parlamentar". Para Rafael Pinto, da juventude do PAN, coloca-se também outra questão: "Se já é tão difícil para os jovens saírem de casa dos pais, voltar ao serviço militar obrigatório tornaria tudo ainda mais complicado."
Por outro lado, Pedro Schuller, responsável pela juventude na Comissão Executiva do Iniciativa Liberal, considera uma "complicação" juntar democracia e serviço militar obrigatório na mesma frase. "É muito importante proteger as Forças Armadas, que são um garante de segurança do Estado. A falta de efetivos não deve ser combatida com algo obrigatório, mas sim através da contratação." Esta perspetiva é partilhada, inclusive, pelo chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo, que, em entrevista ao DN/TSF, referiu que não lhe agrada "qualquer ideia que seja obrigatória", com Portugal a caminhar "num determinado caminho" em que "é muito difícil voltar para trás." No entanto, a JCP, pela voz de Afonso Sabença, tem uma posição contrária: "Sempre defendemos, até de forma isolada, o serviço militar obrigatório como um garante da sobrevivência das Forças Armadas, até para dar uma perceção diferente sobre o seu papel na sociedade."
Apesar de o problema ter voltado a ser discutido recentemente (sobretudo devido à guerra na Ucrânia), o número de efetivos nas Forças Armadas tem vindo a diminuir há vários anos. Mesmo com discrepâncias entre as várias entidades que fazem o registo, todas apontam para uma realidade: há menos de 30 mil efetivos nas Forças Armadas em Portugal. Segundo dados da Direção-Geral da Administração e Emprego Público, em março de 2022 existiam 25.616 efetivos, menos 8898 do que na contabilização anterior (em dezembro). Em comunicado, o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas, António Costa Mota, afirmou que "a situação é muito grave" e exigiu "a revisão, em forte alta, do sistema remuneratório" do setor.
A perspetiva de tornar a carreira militar financeiramente mais apelativa é partilhada pela maioria das juventudes partidárias. Alexandre Poço, deputado e presidente da JSD, referiu que "o mais importante para garantir que temos mais jovens e combater a falta de efetivos é, justamente, garantir melhores remunerações". Joana Filipe, dirigente do Livre, concorda. "É preciso, além de remunerar melhor, garantir que a progressão nas carreiras é melhor e reconhecer o mérito de quem escolhe seguir a vida militar", considera. A bloquista Sofia Lopes acrescenta outro dado à discussão: "Os contratos, muitas vezes, são precários. Há que dignificar a carreira e dar bons vínculos laborais."
Quando o SMO foi extinto, em 2004, foi criado o Dia da Defesa Nacional. O objetivo é dar aos jovens, ao longo de um dia, uma perspetiva acerca do funcionamento e organização interna das Forças Armadas. No entanto, a porta de entrada de muitos jovens neste mundo é também a menos atrativa. Ou pelo menos assim considera Alexandre Poço. Para o líder da JSD, o dia "tem um objetivo e uma função muito nobre, mas o modelo não é atrativo. Sei que o governo tem referido, nos últimos anos, um trabalho para reformar o Dia da Defesa Nacional, para melhorar a relação entre as Forças Armadas e as escolas". Joana Filipe, do Livre, concorda. "O Dia da Defesa Nacional deve ser repensado, o formato surge um bocadinho sem contexto. Só se vai lá para ouvir palestras e pouco mais", diz, relembrando que "a vida cívica tem muitas vertentes, não apenas militar. Porque não criar um dia do SNS ou da escola pública também, com base nesta lógica?"
Afonso Sabença considera que, apesar do Dia da Defesa Nacional ser a porta de entrada para as Forças Armadas, nos tempos que correm "é manifestamente insuficiente, porque não é num dia que se aprende aquilo que é o nosso dever de defesa". Miguel Costa Matos também opina que "há que tornar o Dia da Defesa Nacional mais atrativo" e sublinha que há "uma geração mais jovem que pode servir o país em termos técnicos, nomeadamente ao nível da cibersegurança". Essa necessidade de reforço técnico também é identificada pelo jovem comunista Afonso Sabença: "As Forças Armadas precisam desses quadros, e isso perdeu-se completamente com o fim do SMO." Contactada pelo DN, a deputada Rita Matias, do Chega, não respondeu.
Ainda que o serviço militar tenha deixado de ser obrigatório, a Constituição prevê que, através de uma lei geral, a situação possa ser revertida "para os cidadãos não sujeitos a deveres militares". Também na Lei Fundamental está prevista a objeção de consciência, que pode ser invocada por motivos de ordem religiosa, entre outros.
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