Justiças e Sentenças

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Tema difícil, ainda mais para um leigo na matéria, mas mesmo assim atrevo-me.

Afinal, também os juristas não pescam nada de saúde, de agricultura, de defesa (militar, não jurídica), de mar e pescas e tantos outros assuntos onde metem habitualmente o bedelho.

Daí o atrever-me, até porque li uma declaração do Presidente do Governo Regional, Dr. Miguel Albuquerque, Jurista de formação, que diz, comentando as qualidades doJuíz Ivo Rosa, que "a visão de uma pessoa que está no Direito é um pouco diferente do leigo". É certo que assim é, como deveria ser de leigo a opinião de um jurista sobre a Saúde, sobre a Segurança Social, sobre as Finanças, sobre qualquer outro assunto ou área de atuação que não seja o Direito.

Mas não é assim que as coisas se passam na realidade!

Uma constatação de facto: um jurista (licenciado em Direito) pode ser Ministro de qualquer Ministério - Saúde, Finanças, Defesa, Segurança Social, o que seja, e, obviamente, da Justiça, mas ninguém, ninguém mesmo, pode intrometer-se nos assuntos da Justiça, a não ser que seja jurista (licenciado em Direito). Que me lembre nunca vi ou conheci nenhum Ministro da Justiça que não seja licenciado em Direito!

Pois bem, não sendo jurista, acho que tenho o mesmo direito de comentar a Justiça, tal como um licenciado em Direito (um jurista, pois claro) tem o direito de comentar sobre Saúde, Defesa, Agricultura, etc.

Falar do Sistema Nacional de Saúde podem, está certo. Pois então agora será um médico a falar do inexistente Sistema Nacional de Justiça.

O que está mal no sistema judicial português vem do facto de nunca ninguém com outra qualquer formação foi sequer ouvido quanto às necessidades e vicissitudes desse mesmo sistema.

Porque não é possível fazê-lo!!

Mas vamos ao que interessa, e o que se passou com a sentença de José Sócrates é bem exemplo disso.

Por partes:

- uma sentença é, via dicionário, um pensamento sucinto que encerra um sentido geral ou uma moralidade; qualquer despacho ou decisão; decisão final de um juiz ou tribunal.

Portanto podemos ter sentenças individuais de um juiz ou de um tribunal, sendo este, por definição, o lugar onde se administra a justiça

(um parêntesis - quem disse que têm de ser os juristas a decidir o que é e o que se faz nesse lugar? Se para os lugares onde se assegura a saúde foram criados os Administradores Hospitalares, porque é que não é criada uma carreira de Administradores de Tribunais, com curso próprio independente dos juristas. Aí vão ver como é que as coisas mordem!).

Ah, não, coisa e tal, não pode ser porque é uma área muito específica e demasiado complexa para que se deixe um leigo intrometer nos assuntos. Têm direito até a uma cerimónia de "inauguração" do Ano Judicial (os médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares têm direito à passagem do ano civil e está bem bom!).

A Justiça está como está porque o corporativismo existe, está de boa saúde (!) e recomenda-se.

Um leigo teria, certamente, uma visão diferente do funcionamento dos tribunais e de toda a burocracia indispensável para que a Justiça não fosse uma palavra que se escreve com maiúscula só porque sim, e fosse efetivamente um serviço que o Estado põe ao serviço do Povo, mesmo que independente desse mesmo Estado.

Voltando ao tema, é nos tribunais (lugar onde se administra a Justiça) que se devem encontrar os oponentes de determinada ação para que um, ou vários Juízes (ou Magistrados) possam aquilatar das razões de cada uma das partes e emitir uma sentença ou um acórdão, sendo que sentença é uma decisão de um só Juíz e um acórdão é a deliberação de um grupo de Juízes.

É nos tribunais que se efetuam os julgamentos e é nas audiências dos julgamentos que defesa e acusação trocam argumentos a favor ou contra os argumentos de quem é oponente. Mas sempre com o primado do contraditório. Sem contraditório a Justiça fica manca pois nunca se saberão os dois lados da história, e como sabemos, qualquer história tem dois lados, duas versões. E são essas versões que um Juiz tem de avaliar e decidir. Se esse ponto não for atingido, a Justiça sai truncada e assim, ineficaz (em regimes totalitários, infelizmente é o que mais se vê, mas Portugal não o é há muitos anos!).

José Sócrates beneficiou de uma norma que permite a um Juiz decidir e o Juiz Ivo Rosa beneficiou da mesma norma para decidir o que deveria ter sido decidido em julgamento num Tribunal e, no meu ponto de vista fez mal.

Mas, como disse, sou leigo nas artes judiciais, e é como leigo que julgo que algo de muito errado se passa na Justiça portuguesa.

Não contesto minimamente o conteúdo da decisão do Juiz Ivo Rosa, contesto a forma.

A mesma decisão, eventualmente emitida pelo mesmo Juiz, após audiências de julgamento com acusação e defesa frente e frente, mostraria uma Justiça com justiça.

O que se passou deixou no ar o aspeto de opinião pessoal, e a Justiça não deve ser palco de opiniões pessoais.

Esta é uma opinião pessoal, a minha, que como opinião tem tanta validade como a do Juiz, sem as consequências efetivas que a opinião de um Juiz pode ter, e teve.

Médico

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