Justiça baralha contas na Catalunha e deixa governo de Sánchez em banho-maria

Tribunal decretou que Junqueras tinha imunidade como eurodeputado desde a proclamação dos resultados, numa decisão que pode beneficiar Puigdemont e que levou a Esquerda Republicana da Catalunha a pôr uma pausa na negociação de investidura do líder socialista. Na Catalunha, Quim Torra foi inabilitado, mas vai recorrer.
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Num só dia duas decisões judiciais, uma a favor e outra contra independentistas catalães, baralham as contas na Catalunha, tendo uma delas deixado em banho-maria as negociações para a investidura do socialista Pedro Sánchez como primeiro-ministro de Espanha.

No Luxemburgo, o Tribunal de Justiça da União Europeia decretou que Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), tinha imunidade como eurodeputado desde o momento em que foram proclamados os resultados eleitorais e devia ter sido libertado quando estava em prisão preventiva. Uma decisão que pode beneficiar o ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont, que se autoexilou na Bélgica e cuja extradição a justiça espanhola está a pedir.

Na Catalunha, o atual presidente da Generalitat, Quim Torra, foi condenado a um ano e meio de proibição de ocupar cargos públicos, além de uma multa de 30 mil euros. Em causa está o crime de desobediência por não ter seguido a ordem da Junta Eleitoral Central e retirado os laços amarelos (símbolos do que os independentistas consideram ser presos políticos) dos edifícios do governo catalão durante a campanha eleitoral. Torra vai recorrer, pelo que a sentença não tem aplicação imediata.

Junqueras e as consequências para Puigdemont

O Tribunal Europeu decidiu que o Supremo Tribunal tinha de ter autorizado a saída de Junqueras da prisão para ele poder assumir o cargo de eurodeputado, tendo depois Espanha de pedir autorização ao Parlamento Europeu para lhe levantar a imunidade.

Junqueras, ex-vice-presidente da Generalitat, foi condenado a 13 anos de prisão por sedição e peculato na organização do referendo de 1 de outubro de 2017 e consequente declaração unilateral de independência. Foi ainda condenado a proibição de assumir cargos públicos. Apesar de a sentença só ter sido conhecida a 14 de outubro, o julgamento do processo acabou a 12 de junho. Um dia depois foi a data em que os resultados das eleições de 26 de maio foram oficialmente proclamados.

O líder da ERC, em prisão preventiva desde 2 de novembro de 2017, não foi autorizado a sair da prisão e a assumir o cargo, que para Espanha passa por prestar juramento sobre a Constituição num evento em Madrid, pelo que também não se deslocou a Bruxelas para a tomada de posse.

Mas o Tribunal Europeu decidiu agora que ele tinha imunidade desde o momento da proclamação oficial dos resultados, considerando que o mandato "resulta unicamente do voto dos eleitores e não pode estar dependente do cumprimento de nenhuma formalidade".

O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, reagiu à sentença em pleno hemiciclo, indicando ter dado "instruções aos serviços para que avaliem a possível aplicação da sentença na composição" desta câmara, além de ter pedido às autoridades espanholas competentes que "cumpram" com a sentença.

O Parlamento Europeu deverá pronunciar-se em breve, podendo beneficiar não só Puigdemont mas também os outros líderes independentistas que foram eleitos, Toni Comín e Clara Ponsatí (que com o Brexit e a saída dos eurodeputados britânicos assumirá o seu cargo como eurodeputada espanhola).

Para já, segundo indicaram fontes do Parlamento Europeu à agência espanhola EuropaPress, já foi levantada a proibição que havia de Puigdemont entrar no recinto, emitida depois da reativação do mandado de detenção europeu, em outubro. Puigdemont e Comín podem aceder ao edifício como "visitantes".

A imunidade que o cargo lhes dá abrirá a porta para o eventual regresso dos três a Espanha, com Puigdemont a dizer numa reunião por videoconferência com o seu partido: "A próxima reunião, na Catalunha!" O facto de assumirem o cargo dá-lhes também acesso ao salário como eurodeputados.

A decisão da justiça belga sobre a extradição de Puigdemont (adiada para fevereiro à espera desta decisão do Tribunal Europeu) poderá ficar sem efeito, com Espanha a ter de pedir o levantamento da imunidade ao Parlamento Europeu - algo que pode demorar meses. Puigdemont também não poderá viajar para Espanha de imediato, visto que a justiça belga o deixou em liberdade condicional mas o proibiu de deixar o país sem autorização prévia.

Numa conferência de imprensa, em Bruxelas, Puigdemont disse que "Oriol Junqueras já devia ter sido posto em liberdade" e acusou Espanha de "manter sequestrado um eurodeputado". Defendendo que "ganhou a melhor versão da Europa", pediu ao Estado espanhol e à União Europeia que "reflitam, façam autocrítica e que assumam a sua responsabilidade". E acrescentou: "Esta é a vitória de quem sempre confiou numa Europa melhor, que alguns Estados estão a pôr em perigo", reiterando que a felicidade não é só sua, é de "milhões e milhões" de cidadãos europeus.

ERC suspende negociações com Sánchez

A ERC, de cuja abstenção Sánchez depende para poder ser investido primeiro-ministro, já suspendeu as negociações com os socialistas, à espera de uma posição dos advogados do Estado e do próprio PSOE sobre a sentença no tribunal no Luxemburgo. O partido defende que a sentença deve ser anulada - algo que os procuradores vão refutar com base nas datas do processo.

A vice-primeira-ministra, Carmen Calvo, defendeu que a decisão judicial não deve ser obstáculo à investidura, pedindo à ERC para não misturar decisões judiciais com políticas.

Em comunicado, o governo espanhol indicou ainda que "respeita e acata" as resoluções dos tribunais, reiterando que cabe ao Supremo Tribunal espanhol "decidir como dá cumprimento à resolução do Tribunal Europeu, a cujo superior critério está vinculado".

A justiça espanhola abriu um prazo de cinco dias para ambas as partes apresentarem as suas alegações, sendo que os advogados de Junqueras vão pedir a anulação da sentença. Os advogados do Estado vão estudar o que fazer nos próximos dias. A Procuradoria-Geral opõe-se à hipótese de o líder da ERC ser libertado.

O comunicado do governo reitera ainda que "a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia não analisa nem se pronuncia sobre a sentença de 14 de outubro de 2019 do Supremo Tribunal". E acrescenta que o executivo, "no âmbito político, confirma a necessidade de abrir uma nova etapa de diálogo, negociação e acordo entre todos os atores políticos, desde o respeito às diferenças legítimas, dentro da estrutura do Estado social e democrático de direito".

Quim Torra foi inabilitado, mas vai recorrer

Horas depois da vitória no caso de Junqueras, os independentistas sofreram uma derrota na justiça. O presidente da Generalitat, Quim Torra, foi condenado a um ano e meio de proibição de desempenhar cargos públicos e de candidatar-se a qualquer eleição por ter desobedecido às ordens para retirar os laços amarelos, que simbolizam os independentistas detidos, dos edifícios do governo catalão durante a campanha eleitoral de abril.

A decisão do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha não tem, contudo, efeitos imediatos, visto que o presidente da Generalitat pode recorrer para o Supremo Tribunal de Espanha. Apesar de admitir que é "nula" a sua confiança na justiça espanhola, Torra vai recorrer. Só depois de conhecido o resultado do recurso é que Torra poderá ser obrigado a deixar a liderança do governo catalão.

"A mim não me irá inabilitar um tribunal com motivos políticos", disse Torra na reação à decisão do tribunal, pedindo ainda ao Parlamento catalão para o ratificar como presidente da Generalitat. Os partidos da oposição já exigiram a sua demissão imediata.

Durante o julgamento, Torra foi o primeiro a admitir que não tinha cumprido a decisão do Tribunal Eleitoral, alegando que não reconhecia autoridade a este organismo para lhe ordenar que tirasse os símbolos independentistas da Generalitat.

Uma eventual sentença contra Torra abre a porta à possibilidade de eleições antecipadas na Catalunha - primeiro, o Parlamento catalão tem de propor um candidato à investidura e só se ele ou ela não tiver a maioria é que começa a contar o calendário para eleições antecipadas.

Isso, juntamente com a decisão sobre Junqueras, podia permitir a Puigdemont ser de novo candidato a presidente da Generalitat. Contudo, para assumir o cargo de deputado (só depois é que pode ser eleito chefe do governo catalão) teria de renunciar ao cargo de eurodeputado, perdendo a imunidade que este lhe poderá dar.

Questionado diretamente sobre a possibilidade de ser candidato, Puigdemont disse que "não avaliou" essa possibilidade.

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